Gilles Gomes de Araújo Ferreira

sexta-feira, 24 de março de 2006

É hora de agir | João Luiz Mauad

Domingo à noite, o Fantástico apresentou um documentário sobre a vida das crianças e adolescentes que trabalham no tráfico de drogas, especialmente nas favelas. O trabalho é muito bem feito (apesar de um tanto apelativo) e chama atenção para uma realidade chocante da vida brasileira que nós, habitantes "do asfalto", como se diz na gíria, muitas vezes nos esquecemos ou nem sabemos que existe.

Para quem não assistiu, o documentário é montado basicamente em cima de entrevistas com meninos e adolescentes envolvidos com o crime, bem como com familiares desses menores. Eles contam, numa linguagem quase ininteligível - a ponto de se fazer necessário o uso de legendas - como se dá o aliciamento da juventude favelada pelo tráfico, como é o seu dia-a-dia, seus medos, suas aspirações, seus passatempos, suas alegrias, sua dependência e sua precoce intimidade com todo tipo de armas.

Os autores do filme nos mostram, com chocante riqueza de detalhes, como o vício da droga e o apelo da vida fácil, aliados à ausência total do Estado e à percepção generalizada de impunidade, tornam aquele ambiente perfeito não só para a proliferação da bandalheira, como para a institucionalização da “lei do mais forte” – o traficante. Junte-se a isso uma legislação anacrônica – mas politicamente correta - que atenua “ad infinitum” as penas pelas infrações dos menores e chegaremos ao cenário de barbárie mostrado domingo à noite.

A repercussão foi grande e as discussões que o programa suscitou mais ainda. Como de hábito, os “experts” eleitos pela grande mídia – representados pelos "intelectuais esquerdopatas" da USP e congêneres, mais o “bealtiful people” televisivo – repetiram, tal qual bonecos de ventríloquo, a velha cantilena de que tudo isso é resultado de causas “sociais”, da “pobreza” e das “desigualdades”. Transferem, indiretamente, a responsabilidade pelas ações pessoais para essas entidades coletivas, sem face e impuníveis. (É engraçado como, ao fim e ao cabo, essa gente sempre dará um jeitinho de concluir, do alto da sua inabalável sapiência, que a única forma de reduzir a criminalidade é acabar com as desigualdades sociais, ou, deixando de lado os eufemismos, pela via socialista).

Esse tipo de raciocínio normalmente floresce a partir de uma falsa relação de causa e efeito entre eventos simultâneos. Trata-se, na realidade, de uma forma de sofisma muito difundida entre a intelectualidade esquerdista. Eu costumo brincar citando o seguinte exemplo, que me parece bastante didático:

“A maior parte das pessoas que bebe refrigerante "diet" é gorda. Isto é um fato incontestável. Logo, podemos inferir que refrigerante "diet" engorda”.

É óbvio que, apesar da premissa ser verdadeira, a conclusão é absolutamente falsa, já que provavelmente essas pessoas bebem refrigerante "diet" porque já são gordas e não desejam engordar mais. Por incrível que pareça, esta é a mesma analogia que fazem aqueles que insistem em relacionar a criminalidade com a pobreza. Seu raciocínio é mais ou menos esse:

“A maior parte dos que trabalham para o tráfico nas favelas é pobre. Logo, a pobreza e as desigualdades sociais são a razão dos altos índices de criminalidade verificados naqueles locais”.

Os que assim raciocinam esquecem, é óbvio, de alguns dados importantes, que jogam por terra toda a sua lógica. Primeiro: a imensa maioria das pessoas pobres não é criminosa, o que nos leva a concluir que o fato de alguém ser pobre não o conduz, necessariamente, para o crime. Assim fosse e países com níveis de pobreza bem superiores ao nosso, como a Índia, teriam índices de criminalidade muito maiores, o que não se verifica. Segundo: boa parte dos crimes é cometida por gente que está muito distante de qualquer carência material. Por exemplo: pode-se dizer tudo dos nossos parlamentares, menos que eles sejam pessoas carentes. No entanto, o índice de criminalidade dentro do Congresso Nacional é muito maior que nas favelas, como demonstram os inúmeros escândalos que temos presenciado. (É bom lembrar que índices são apurados em função do universo pesquisado. São sempre valores relativos, não absolutos). Poderíamos citar ainda o caso clássico dos Estados Unidos durante a década de setenta. Um país muito mais próspero e rico que o Brasil, porém, na época, detentor de índices de criminalidade muito maiores que os nossos.

(Esse tipo de sofisma, além de ser imensamente injusto com a grande maioria dos pobres que se mantém honesta e trabalhadora, apesar das inegáveis mazelas a que estão submetidos, acaba servindo de “álibi” para aqueles poucos que enveredam pelo caminho do crime. Quantas vezes o amigo leitor já não assistiu, pela TV, àquela cena do repórter entrevistando o meliante que acabara de ser preso em flagrante e cuja primeira reação foi dizer que fez o que fez porque estava “passando necessidade” - ainda que a sua aparência não tivesse nada de miserável.)

Portanto, afirmar que a única maneira de combater o crime é através da extirpação da pobreza e das desigualdades é não somente atribuir à criminalidade uma causa que o exame dos fatos não corrobora, mas sobretudo furtar-se a qualquer reação prática e objetiva. Essa argumentação, que subordina toda a política de segurança ao advento de um universo utópico, socialmente perfeito e igualitário, nos induz a esperar, tranqüilamente, até o fim do mundo, deixando de lado ações urgentes e, essas sim, realmente efetivas. A saber:

- reestruturação de todo o aparato policial, com a conseqüente redução da corrupção e do banditismo endêmicos que há dentro dele;

- revisão de determinadas leis, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, que no lugar de dar proteção ao menor acaba levando-o para os braços da delinqüência;

- repressão sistemática do contrabando de armas e drogas nas fronteiras;

- policiamento ostensivo dos pontos de venda de drogas;

- reforma estrutural do poder judiciário (polícia e justiça), a fim de torná-lo mais ágil e eficiente, eliminando, dessa maneira, a sensação de impunidade que hoje impera.


Fonte: Mídia Sem Máscara

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