Gilles Gomes de Araújo Ferreira

sexta-feira, 9 de junho de 2006

Crise? Que crise? Salvem as baleias!

Minas Gerais, 9 de junho de 2006



O que é o homem? Quero dizer, o que nos distingue de outros animais? A racionalidade, diriam os primeiros. Um argumento que cai logo que lhe mostrarmos um artigo assinado pelo sr. Emir Sader ou o plano de governo do Partido dos Trabalhadores. A consciência, arriscaria um filósofo. E aí lhe perguntamos sobre aqueles que vegetam e os que não tem discernimento mínimo. Fomos criados à imagem e semelhança de Deus, diria um teólogo. E lhe dizemos que há religiões, como o Espiritismo, que não O vêem de maneira antropomórfica...

Os portugueses - ah, os portugueses - que nos socorram. Eles sim, como o Primeiro Mundo que são, têm a resposta pra isso. E é tão importante que foi absorvida pelo complexo normativo. De acordo com as leis lusas, homem é tudo aquilo que nasce de uma mulher. Fácil, não? Claro que pode falhar em casos excepcionais, como o caso da escocesa Mrs Mary Toft, que de acordo com a literatura médica do século XVIII, paria coelhos!

Por que pergunto isso? Há quem diga que só os idiotas respondem uma pergunta com outra pergunta. Façamos assim. Pergunto: podem pensar num grupo de pessoas mais patético do que as carpideiras defensoras dos direitos humanos? Um pessoalzinho mais abjeto do que aqueles que sopram as trombetas do Apocalipse toda vez que um pobre criminoso reclama não poder assistir à novela das oito?

Vou responder-lhe. E como sabem, não costumo economizar palavras na elaboração de um argumento. Sabem como é, sou um conservador. Se parte da esquerda fosse, bastava chamar Mr George W. Bush de Hitler para arrebanhar uma legião de adoradores. Mas meus leitores têm mais tutano. É preciso muito mais para convencê-los.

Uma vez me perguntaram como eu me definiria, sob o ângulo de minhas ideologias. Respondi: um liberal clássico, um conservador racional, e um tradicionalista romântico. Como bom descendente de espanhóis, tento manter vivas as tradições hispânicas. Ainda não aprendi a língua como se deve, mas sei apreciar o flamenco, a sardana e, a razão da discórdia, uma tourada.

Não deve ser segredo para vocês a controvérsia gerada em torno deste esporte. De um lado estão aqueles - eu inclusive - que consideramos as touradas mais do que um espetáculo. É um símbolo cultural. Os matadores trazem consigo uma certa dose de heroísmo. É ao mesmo tempo um esporte e uma arte. E do outro lado está a resposta para a pergunta que fiz.

Os defensores dos direitos dos animais conseguem ser mais torpes do que as organizações humanistas. Há muito querem fazer em Espanha o que foi feito na Inglaterra. Os trabalhistas de Mr Tony Blair, desconsiderando séculos de tradição e inclusive uma pesquisa interna onde a prática foi escolhida uma das maiores características dos súditos de Sua Majestade, proibiram a caça às raposas. Na verdade, não proibiram. O que eles não querem é que as raposas morram de acordo com as leis da natureza. Na natureza existem o predador e a presa. No desporto praticado pelos aristocratas, os cães matavam as raposas. Não podem mais. As raposas agora só podem ser mortas a tiros. Não parece muito lógico, mas quem disse que a esquerda se preocupa com a lógica. Os Tories prometeram revogar a lei assim que voltarem ao poder. Mas eles não parecem mais ser os mesmos.

Voltemos à Espanha. Hoje o partido que está no poder é o Partido Socialista Obrero Español. O PSOE tem à frente señor José Luis Rodrigues Zapatero, e é membro da Internacional Socialista. E em abril deste ano apresentou um projeto, digamos, revolucionário: quer que os grandes primatas (chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos) passem a ser protegidos pelas mesmas leis que defendem os direitos humanos.

Atentam para três direitos que consideram fundamentais. Primeiro, o direito à vida. Segundo, o direito a "proteção às liberdades individuais": "a detenção de grandes primatas que não tenham sido condenados por nenhum crime deve ser permitida apenas quando for provado que a detenção lhes é proveitosa ou necessária à proteção do público. Em ambos os casos, deve haver o direito à apelação, diretamente ou através de um advogado". Terceiro, a proibição à tortura.

Não me perguntem como um orangotango vai apelar diretamente perante uma corte judicial. Perguntem àqueles que fundaram - claro, já existe uma ONG para isso - O Projeto Grande Primata, ou em inglês original, The Great Ape Project. Os criadores deste movimento se dizem "decepcionados" com os seres humanos e seus valores, e esperam que os primatas possam nos presentear com uma nova bússola moral. Eles seriam responsáveis pela renovação da corrupta civilização humana.

Um dos fundadores da organização, Mr Douglas Adams descreve num livro como olhou para os "sábios e experientes" olhos de um macaco, imaginando que "talvez não seja verdade que eles não aprenderam uma linguagem, mas nós que esquecemos uma".

Há outros, muitos outros. E como o post está ficando muito comprido, tratemos apenas da maior delas, a PETA - People for the Ethical Treatment of Animals. O grupo faz campanhas, por exemplo, para mudar nomes de cidades como Hamburgo (NY) , Rodeo (CA), ataca pessoas que vistam casaco de peles. A última birra desses ativistas tem como alvo a Guarda da Rainha. Vocês sabem, aqueles oficiais de uniforme vermelho e altos chapéus negros. A PETA não aceita que os chapéus, até hoje, tenham como matéria-prima a pele do urso. Criaram também uma campanha para pedir que Rainha Elizabeth deixe de lado o guarda roupa de inverno.

Entretanto, a PETA é mais do que desprezível: é perigosa. É a intolerância levada às últimas conseqüências. Não interessa o quão imoral é distribuir fotos de cadáveres de animais retalhados para crianças. Uma dessas gravuras mostrava uma mulher colocando uma faca no estômago de um coelho acompanhada dos dizeres "Sua mãe mata animais. Deixe seus cães e gatos longe deles". Também não querem saber se é desonesto dizer a adolescentes que leite provoca obesidade e flatulência. Ou praticar sabotagem industrial e terrorismo ecológico, com atentados que já provocaram a morte de pessoas. Ou acusar os judeus de promoverem um novo Holocausto. Quem disse que os fins não justificam os meios?

Mas, claro, mesmo a mais infame organização tem amigos. Camarada Fidel Castro tem os srs. Emir Sader, Chico Buarque de Hollanda, Oscar Niemeyer... O presidente Hugo Chávez tem Mino Carta, señor Evo Morales tem os srs. Clóvis Rossi e Hélio Fernandes. Com os defensores dos animais não é diferente. Estamos, obviamente, falando de pessoas da mais alta estirpe intelectual. Gente como a onze-vezes-capa-da-Playboy Ms Pamela Anderson. Ms Anderson é uma das maiores defensoras da luta-livre. Mas não espero muita coerência desta gente.

Mas ela não está só. Outro marco na história moderna do raciocínio, Mr Steven Seagal. Mr Seagal é o típico idiota moderninho: budista, vegetariano e defensor dos direitos dos animais. Aliás, Steven Seagal não é mais seu nome. Foi batizado. Agora gosta de ser chamado Chungdrag Dorje. Ou Takeshigemichi. Mas fantástica é a história que conta como Mr Seagal, perdão, Takeshigemichi, passou a ver o mundo com outros olhos: quando estava no Japão, um cão se aproximou dele. Mr Seagal - que seja! - percebeu que já conhecia aquele cão antes. Então pegou o cão para si. Depois de alguns dias, o cão, latindo, lhe avisou que a casa estava em chamas. Mr Seagal chamou os bombeiros. E claro, nunca mais viu o tal cão de novo.

Mais uma? Claro. Madame Brigitte Bardot. Sim, aquela que pega cães de rua parisienses e leva para casa. Evidentemente, não cabe aqui fazer comentários sobre seu apoio à ultradireita francesa de M. Jean-Marie Le Pen. Ou que tenha feito declarações racistas e homofóbicas. Ou que tenha sido condenada por "incitar ódio racial". Quem é que liga para seres humanos?

Então todos os defensores de direitos dos animais são estúpidos? Claro que não. Não cometamos o pecado da generalização. Há organizações sérias, tanto pelos fins quanto pelos meios. Hoje estariam incluídos, por exemplo, a WWF e as Fundações Boticário e Natura. O que incomoda nos exemplos acima é um descompromisso com a realidade, incoerência de ações e um festival de clichês tão desgastados que já se banalizaram. A conservação deve ser levada a sério, tudo bem, mas não paremos o mundo para isso.

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