Gilles Gomes de Araújo Ferreira

terça-feira, 19 de dezembro de 2006

Das incongruências

Deputada Federal eleita, Marina Maggessi, em entrevista à Revista IstoÉ, defende as milícias armadas:

Aquele complexo de atividades em volta do Piscinão envolve shows e programas culturais. O tráfico não deixava fazer nada, tudo era cobrado. A milícia entrou e prendeu todo mundo, não teve matança.

Vá na favela Rio das Pedras, onde tem milícia há muito tempo. Lá não tem nem grade nas janelas, ninguém quer sair de lá.


Marina Maggessi defendeu a proibição da venda de armas e munição no referendo do ano passado.

Perguntem ao Gil

A Quinta da Boa Vista, residência oficial dos Imperadores do Brasil, começou a ser restaurada. Há muito se reclama do mau estado de conservação do Palácio, e também há muito sucessivos governos deixaram de investir na preservação da memória física do período monárquico brasileiro.

A reforma será paga pelo American Express, "sem recurso a leis de incentivo fiscal". Há alguns anos, o Banco Real financiou a restauração do Museu do Ipiranga. Ora, o capitalismo! Ora, esse sistema financeiro!

sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

Poucas Notas

À primeira vista pareceu que o Comitê do Nobel havia deixado para trás a retórica politicamente correta que orientou as escolhas do grupo nos últimos anos. Muhammad Yunus, com o perdão do clichê, prefere ensinar a pescar. Na contramão do ensinamento marxista, afirma que a propriedade privada é fundamental para a erradicação da pobreza - o que atrai a animosidade da esquerda bengalesa, que o acusa de defender o capitalismo.

A esquerda radical disse que estamos plantando as sementes do capitalismo e nos odeiam porque dizem que destruímos qualquer possibilidade de revolução social.


Henrique Raposo, no blogue da Revista Atlântico, provoca:


O desprezo que se deu a Yunus diz muito do nosso querido ocidente. Um homem que, pelo capitalismo, retira uns milhões da miséria não interessa. (...). Se o
trabalho de Yunus desse para culpar directamente o Ocidente, terei todo o tempo de antena do mundo. Como recupera a velha tradição liberal de respeito pela pessoa, pelo trabalho, honra e respeito do indivíduo, sem piedades estatais (ou ocidentais), através de meros empréstimos bancários, de forma simples e sem grandes discursos, naturalmente, não merece atenção.


Domingo. Cerimônia em Oslo. O diretor do Comitê, Ole Danbolt Mjøs, discursa:


Esperamos que este Prêmio signifique uma aproximação com a parte muçulmana do mundo. Desde o 11 de setembro, temos visto uma tendência a demonizar o Islã. (...). Sempre dizemos unilateralmente que a parte muçulmana do mundo tem de aprender com o Ocidente. No que diz respeito a micro-crédito, o contrário é certo: o Ocidente têm aprendido com Yunus, com Bangladesh e com a parte muçulmana do mundo.


Não bastasse uma repetição insistente de "parte muçulmana do mundo", Mjøs enxerta uma questão religiosa que não entra - ou não deveria entrar - no mérito. O merecimento de Yunus reside na economia, não na teologia.

Os clérigos muçulmanos, a bem da verdade, apresentaram-se como empecilho aos projetos de Yunus. "No começo, sofremos uma grande oposição religiosa que nos acusava de destruir o Islã", porque diziam "que as mulheres tinham que continuar sendo donas-de-casa". De todos os beneficiados pelo banco de Yunus, 96% são mulheres.

E Bono ainda chega lá.

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"Vocês não mais verão a Rainha fumando", declarou a porta-voz da Casa Real dinamarquesa, Lis Frederiksen. Margrethe II habituou-se a ignorar as críticas das diversas organizações não-governamentais dedicadas à eugenia velada, e ela pôde contar com o apoio da imprensa e da maioria dos dinamarqueses. Uma lei aprovada recentemente no Folketing, o parlamento dinamarquês, proibirá o fumo em prédios públicos a partir de abril de 2007. A Rainha decidiu se antecipar.

Margrethe II fará companhia ao Rei da Suécia, Carl XVI Gustaf - que abandonou cigarro em público, mas que também manteve o hábito na privacidade -, e Juan Carlos I, que fuma desde os 14 anos. Na outra ponta estão Harald V, da Noruega, que deixou de fumar há alguns anos, e Elizabeth II - que sobre o cigarro compartilha as mesmas opiniões de sua trisavó, a Rainha Victoria, com o agravante de ter visto o pai morrer em conseqüência de um câncer no pulmão.

Além da Dinamarca, em 2007 França, Lituânia, Inglaterra e País de Gales terão alguma restrição em relação ao tabaco em locais públicos. Somam-se a Argentina, Espanha, Escócia, Vietnã, Austrália, Bélgica, Nova Zelândia, Cuba, Noruega, dentre outros.

Enquanto leis anti-tabaco ganham o mundo, uma notícia chama atenção justamente porque pouca atenção foi dada a ela. Segundo um jornal inglês, Sir Richard Doll, o primeiro a estabelecer uma relação entre fumo e câncer, escondeu que por mais de 20 anos trabalhou a soldo da Monsanto. Nesse período, Sir Richard negou que o Agente Laranja, utilizado na Guerra do Vietnã, pudesse causar câncer - o que foi refutado por estudos posteriores. O Agente Laranja era produzido pela Monsanto.

Doll também esteve na folha de pagamento da Dow Chemicals, antiga Union Carbide - responsável pelo maior desastre industrial do mundo -, da Chemical Manufacturers Association e da Imperial Chemical Industries, para quem ele escreveu um relatório, contestado pela OMS, negando a conexão entre cloreto de vinila e câncer.

Se há cinqüenta anos havia médicos que receitassem cigarros, hoje os fumantes são o alvo principal das patrulhas paternalistas. Eles sabem o que é bom para você. E têm o Estado a tiracolo.

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Depois dos fumantes, os obesos: há nos EUA quem defenda que os obesos paguem mais impostos, uma vez que têm mais problemas de saúde. E um estudo coloca os gordos como os maiores responsáveis pelo aquecimento global.

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Pinochet está morto. Ou não. É pouco provável que a esquerda chilena abandone a estratégia eleitoral que utiliza desde a restauração democrática: quando a direita ameaçava a hegemonia da Concertación, os canhotos alertavam para quão imoral era votar em quem esteve ao lado do ditador.

As reações não foram muito além do esperado. A imprensa à direita lembra que Pinochet esteve à frente de um regime autoritário e repressor, mas que a intervenção evitou uma "cubanização" do Chile, em que morreriam muitos mais. Além disso, as medidas econômicas implementadas foram fundamentais para o desenvolvimento de uma economia moderna e uma democracia verdadeiramente livre. A mídia à esquerda lembra da perseguição e da tortura e do apoio que Pinochet recebeu dos Estados Unidos, e critica as reformas econômicas, responsáveis pela concentração de renda, aumento da pobreza e diminuição de salários. Oh, o neoliberalismo...

A morte de Augusto José Ramón Pinochet Ugarte também serviu para rever velhos mitos. Semelhante ao que ocorre com João Goulart no Brasil e Perón na Argentina - e curiosamente não com Batista em Cuba -, no Chile Salvador Allende tornou-se o mártir de um novo mundo anunciado há mais de 150 anos pelas esquerdas revolucionárias. O socialismo democrático era uma prova de que uma outra realidade é possível. Obviamente, os americanos não permitiriam que isso acontecesse. Oh, os americanos...

Allende não foi o herói vendido pela intelligentsia. Teve 35% dos votos em 1970. Chegou ao poder por meio de uma eleição indireta. Ameaçou prender jornalistas. Houve inflação de 500% e racionamento. Donas-de-casa saíam às ruas batendo panelas. Brigou com a Suprema Corte, que denunciou seus planos de expropriação. Seu codinome na KGB era "Líder". Era anti-semita, racista e homofóbico.

Mas não haverá ressurreição maior de mitos do que nos obituários de Fidel Castro.

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Waldir Pires era Ministro da Controladoria Geral da União enquanto estava ativo o maior esquema de corrupção da História do Brasil. Waldir Pires é Ministro da Defesa enquanto ocorre a maior crise da História da Aeronáutica.

Qual será seu próximo passo?

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Quando em março o ETA anunciou um "cessar fogo permanente", o Rei de Espanha pediu "cautela" aos negociadores. Nos 32 anos de reinado, Dom Juan Carlos já viu o ETA anunciar o fim da violência 12 vezes, inclusive um "indeterminado e incondicional" em 1998. O Presidente do Governo, José Luis Rodríguez Zapatero, do PSOE - Partido Socialista Obrero Español -, fez pouco do conselho e preferiu repetir a cantilena reformista de que "daqui pra frente, tudo vai ser diferente".

Passados oito meses, os etarras ainda não depuseram as armas. Pelo contrário, em abril cometeram um atentado em Barañaín, no norte de Espanha. O Governo explicou que "o processo de paz ainda não havia começado"! O grupo terrorista explicou que não há conversa antes da autodeterminação do País Basco.

Em junho o ETA emitiu um comunicado em que exige que o Governo francês faça parte das negociações. No fim do mês, Zapatero anuncia o início do processo de paz. Em agosto, os terroristas bascos declaram que as negociações estavam "imersas em uma crise evidente", culpando os socialistas pela situação. Advertiram que "responderiam" se França e Espanha dessem continuidade à "repressão" contra a esquerda local.

Em setembro, novos atentados. Em uma celebração em homenagem a militantes etarras, três membros encapuzados anunciaram que o ETA, em nome da independência e do socialismo, continuará empunhando armas. Em outubro a França acusou o grupo de ter roubado centenas de armas e munição de uma empresa francesa. Afirmou ainda que o contrabando de armamentos continuou depois do cessar fogo.

Em novembro, jovens militantes do Batasuna, o braço político do ETA, tentaram incendiar dois policiais. Os terroristas ameaçaram interromper o processo de paz. A direção do PSOE admitiu que as dúvidas sobre o processo de paz são justificáveis e legítimas. Tarde demais.

Pesquisas recentes mostram que a vantagem dos socialistas sobre os populares é inferior a 1%, e jornais da esquerda, como o El País e o Cadena Ser já admitem uma vitória do Partido Popular nas próximas eleições. Os espanhóis votaram nos socialistas em 2004 para se ver livres do terrorismo. Zapatero tirou as tropas do Iraque, mas cultivou terroristas em casa. O ETA tem ligações com o IRA e as FARC, e nos últimos 38 anos matou mais de 800 pessoas, inclusive o Primeiro-Ministro Luis Carrero Blanco em 1973.

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"A multidão, quando se vê de posse da autoridade, é ainda mais cruel que os tiranos".
Platão

quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

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La Japonaise
Claude Monet (1840-1926)

domingo, 10 de dezembro de 2006

Augusto José Ramón Pinochet Ugarte (1915-2006)

Morreu o ex-Presidente da Rapública do Chile Auguto Pinochet. Um minuto de silêncio pelo seu passamento. E muitos outros pelos milhares que morreram em sua mão.

Do jornal O Globo

"É por isso que eu voto no hômi".

sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

Há 15 anos...


Há 15 anos os Presidentes da Rússia, Boris Yeltsin, da Ucrânia, Leonid Kravchuk, e de Belarus, Stanislav Shuskevich, assinavam os Acordos de Belavezha, declarando o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A Guerra Fria acabara. O comunismo perdeu.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

E ainda querem o poder...

Anthony Blair em 1997 e em 2006.

Negócios de além-mar

Venezuela abriga terroristas do ETA e impede que sejam extraditados para a Espanha, onde serão julgados.
Comandante do ETA e esposa, contratados do governo chavista.

Eles não sabem o que é democracia

Acompanhando a comoção mundial que se seguiu à descoberta dos campos de extermínio de judeus na Alemanha Nazista, as Nações Unidas criam em 1948 o Estado de Israel. Nascia democrático o Estado judeu, sob a contante ameaça de ataques dos países árabes. Como retaliação, muitos judeus tiveram propriedades confiscadas em países árabes, foram perseguidos e forçados a emigrar. Em Israel, no entanto, não foram poucos os árabes que decidiram permanecer no recém-criado Estado. Hoje eles somam sete milhões de habitantes, que desfrutam de liberdade civil e religiosa, crescimento econômico, democracia, e um IDH situado entre os melhores do mundo.

O jornal liberal Ha'aretz publica hoje um documento do Comitê Superior Árabe de Supervisão, reinvindicanto autonomia cultural, religiosa e educativa, além do direito de vetar leis que afetem sua comunidade. O documento conta com o apoio de todas as organizações políticas da comunidade árabe.

"Reconhecemos o direito dos judeus, mas não às custas dos árabes", disse o redator do documento, Assad Ghanem. Ele afirmou ainda que Israel foi "criado pelo colonialismo" e que "impôs um Governo colonial a seus cidadãos árabes, incluindo o confisco de suas terras e uma redefinição de sua cultura como judaica". Os dirigentes também exigem uma alteração dos símbolos nacionais, da bandeira e do Hino Nacional, o Hativka (Esperança). Também consideram que Israel não é uma democracia (os árabes-israelenses elegeram 10 dos 120 membros do Knesset, o Parlamento isralense), mas uma etnocracia. Além, claro, de reclamarem um Estado palestino.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2006

Chapeuzinho Vermelho

Ainda que se chamem "contos de fadas", muitas das histórias contadas às crianças têm origens bem mais maliciosas. Essas fábulas, da maneira como conhecemos, tiveram início com os Contos da Mamãe Ganso, por Charles Perrault, publicados no fim do século XVII. Era uma compilação de narrativas históricas contadas por camponeses, e a fim de satisfazer os pudores da corte de Luís XIV, M. Perrault suprimiu passagens obscenas, orgias, incesto e canibalismo.

Por vezes, as raízes adultas dessas historietas são recuperadas pelos críticos literários. Por exemplo, há quem afirme que Chapeuzinho Vermelho trata da prostituição infantil, haja visto que o manto vermelho era marca das meretrizes da França seiscentista. Para outros especialistas, o chapeuzinho vermelho é um símbolo do ciclo menstrual e da puberdade, avançado sobre a "floresta negra" da feminilidade. O chapeuzinho também seria uma representação do hímen, ameaçado pelo lobo - o sedutor.

Os contos mudam através dos tempos. Na versão medieval de A Bela Adormecida, a princesa é abandonada junto com um punhado de filhos. No original francês de Chapeuzinho Vermelho, a história termina com o lobo devorando tanto a menina quanto a avó. O caçador só surge com os Irmãos Grimm, e hoje foi substituído por um guarda florestal - lembrem-se crianças, não se deve fazer mal aos animais.

Tendo isso em mente, é curioso especular como Chapeuzinho Vermelho seria tratado atualmente pela mídia:

Fantástico - Glória Maria
Que gracinha, gente, vocês não vão acreditar, mas essa menininha linda aqui foi retirada viva da barriga de um lobo, não é mesmo?...

Cidade Alerta - Datena
Onde é que a gente vai parar? Cadê as autoridades? Cadê as autoridades? A menina ia pra casa da vovozinha. A pé! Não tem transporte público! Não tem transporte público! E foi devorada viva. Um lobo, um lobo safado. Põe na tela. Porque eu falo mesmo, não tenho medo de lobo, não tenho medo de lobo não.

Veja
... fulano de tal, 23, o caçador que tirou Chapeuzinho da barriga do lobo, têm sido considerado um herói na região. "O lobo estava dormindo, acho que não foi tão perigoso assim", admite.

Istoé
Gravações revelam que lobo foi assessor de importante político.

CartaCapital
Documentos ligam lobo a Daniel Dantas.

Caros Amigos
Lobo na pele de lobo: a oligarquia mostra a cara.

Cláudia
Como chegar na casa da vovozinha sem se deixar enganar pelos lobos no caminho.

Marie Claire
Na cama com um lobo e minha avó: relato de quem passou por essa experiência.

Nova
Dez maneiras de levar um lobo à loucura...

Caras
Na banheira de hidromassagem na cabana da avozinha, em Campos de Jordão, Chapeuzinho reflete sobre os acontecimentos: "até ser devorada, eu não dava valor para muitas coisas da vida, hoje sou outra pessoa", admite.

Folha de S. Paulo
Manchete: Menina teria sido devorada por lobo.
Na reportagem um box com um zoólogo explicando os hábitos alimentares dos lobos e um infográfico mostrando como Chapeuzinho foi devorada e depois salva pelo caçador.

O Estado de S. Paulo
Lobo que devorou menina seria filiado ao PT.

Agora
Sangue e morte na casa da vovó.

Carta Maior - Blog do Emir
Que outra reassão (sic) poderia ter o lobo diante da provocante atitude da pequena burguesa? A menina rica fez questão de esnobar sua cesta de doces, causando a ira de um sujeito marginalizado pela sociedade capitalista de consumo. O lobo é uma vítima do sistema.

Observatório da Imprensa
... até o momento, nenhum veículo da grande imprensa quis ouvir o canis lupus.

O Dicionário

Machado de Assis

ERA UMA VEZ um tanoeiro, demagogo, chamado Bernardino, o qual em cosmografia professava a opinião de que este mundo é um imenso tonel de marmelada, e em política pedia o trono para a multidão. Com o fim de a pôr ali, pegou de um pau, concitou os ânimos e deitou abaixo o rei; mas, entrando no paço, vencedor e aclamado, viu que o trono só dava para uma pessoa, e cortou a dificuldade sentando-se em cima.

— Em mim, bradou ele, podeis ver a multidão coroada. Eu sou vós, vós sois eu.

O primeiro ato do novo rei foi abolir a tanoaria, indenizando os tanoeiros, prestes a derrubá-lo, com o título de Magníficos. O segundo foi declarar que, para maior lustre da pessoa e do cargo, passava a chamar-se, em vez de Bernardino, Bernardão. Particularmente encomendou uma genealogia a um grande doutor dessas matérias, que em pouco mais de uma hora o entroncou a um tal ou qual general romano do século IV, Bernardus Tanoarius; — nome que deu lugar à controvérsia, que ainda dura, querendo uns que o rei Bernardão tivesse sido tanoeiro, e outros que isto não passe de uma confusão deplorável com o nome do fundador da família. Já vimos que esta segunda opinião é a única verdadeira.

Como era calvo desde verdes anos, decretou Bernardão que todos os seus súbditos fossem igualmente calvos, ou por natureza ou por navalha, e fundou esse ato em uma razão de ordem política, a saber, que a unidade moral do Estado pedia a conformidade exterior das cabeças. Outro ato em que reveleu igual sabedoria, foi o que ordenou que todos os sapatos do pé esquerdo tivessem um pequeno talho no lugar correspondente ao dedo mínimo, dando assim aos seus súbditos o ensejo de se parecerem com ele, que padecia de um calo. O uso dos óculos em todo o reino não se explica de outro modo, senão por uma oftalmia que afligiu a Bernardão, logo no segundo ano do reinado. A doença levou-lhe um olho, e foi aqui que se revelou a vocação poética de Bernardão, porque, tendo-lhe dito um dos seus dous ministros, chamado Alfa, que a perda de um olho o fazia igual a Aníbal, — comparação que o lisonjeou muito, — o segundo ministro, Ômega, deu um passo adiante, e achou-o superior a Homero, que perdera ambos os olhos. Esta cortesia foi uma revelação; e como isto prende com o casamento, vamos ao casamento.

Tratava-se, em verdade, de assegurar a dinastia dos Tanoarius. Não faltavam noivas ao novo rei, mas nenhuma lhe agradou tanto como a moça Estrelada, bela, rica e ilustre. Esta senhora, que cultivava a música e a poesia, era requestada por alguns cavalheiros, e mostrava-se fiel à dinastia decaída. Bernardão ofereceu-lhe as cousas mais suntuosas e raras, e, por outro lado, a família bradava-lhe que uma coroa na cabeça valia mais que uma saudade no coração; que não fizesse a desgraça dos seus, quando o ilustre Bernardão lhe acenasse com o principado; que os tronos não andavam a rodo, e mais isto, e mais aquilo. Estrelada, porém resistia à sedução.

Não resistiu muito tempo, mas tàmbém não cedeu tudo. Como entre os seus candidatos preferia secretamente um poeta, declarou que estava pronta a casar, mas seria com quem lhe fizesse o melhor madrigal, em concurso. Bernardão aceitou a cláusula, louco de amor e confiado em si: tinha mais um olho que Homero, e fizera a unidade dos pés e das cabeças.

Concorreram ao certâmen, que foi anônimo e secreto, vinte pessoas. Um dos madrigais foi julgado superior aos outros todos; era justamente o do poeta amado. Bernardão anulou por um decreto o concurso, e mandou abrir outro; mas então, por uma inspiração de insigne maquiavelismo, ordenou que não se empregassem palavras que tivessem menos de trezentos anos de idade. Nenhum dos concorrentes estudara os clássicos: era o meio provável de os vencer.

Não venceu ainda assim porque o poeta amado leu à pressa o que pôde, e o seu madrigal foi outra vez o melhor. Bernardão anulou esse segundo concurso; e, vendo que no madrigal vencedor as locuções antigas davam singular graça aos versos, decretou que só se empregassem as modernas e particularmente as da moda. Terceiro concurso, e terceira vitória do poeta amado.

Bernardão, furioso, abriu-se com os dous ministros, pedindo-lhes um remédio pronto e enérgico, porque, se não ganhasse a mão de Estrelada, mandaria cortar trezentas mil cabeças. Os dous, tendo consultado algum tempo, voltaram com este alvitre:

— Nós, Alfa e Ômega, estamos designados nelos nossos nomes para as cousas que respeitam à linguagem. A nossa idéia é que Vossa Sublimidade mande recolher todos os dicionários e nos encarregue de compor um vocabulário novo que lhe dará a vitória.

Bernardão assim fez, e os dous meteram-se em casa durante três meses, findos os quais depositaram nas angustas mãos a obra acabada, um livro a que chamaram Dicionário de Babel, porque era realmente a confusão das letras. Nenhuma locução se parecia com a do idioma falado, as consoantes trepavam nas consoantes, as vogais diluíam-se nas vogais, palavras de duas sílabas tinham agora sete e oito, e vice-versa, tudo trocado, misturado, nenhuma energia, nenhuma graça, uma língua de cacos e trapos.

— Obrigue Vossa Sublimidade esta língua por um decreto, e está tudo feito.

Bernardão concedeu um abraço e uma pensão a ambos, decretou o vocabulário, e declarou que ia fazer-se o concurso definitivo para obter a mão da bela Estrelada. A confusão passou do dicionário aos espíritos; toda a gente andava atônita. Os farsolas cumprimentavam-se na rua pela novas locuções: diziam, por exemplo, em vez de: Bom dia, como passou? — Pflerrgpxx, rouph, aa? A própria dama, temendo que o poeta amado perdesse afinal a campanha, propôs-lhe que fugissem; ele, porém, respondeu que ia ver primeiro se podia fazer alguma cousa. Deram noventa dias para o novo concurso e recolheram-se vinte madrigais. O melhor deles, apesar da língua bárbara, foi o do poeta amado. Bernardão, alucinado, mandou cortar as mãos aos dous ministros e foi a única vingança. Estrelada era tão admiravelmente bela, que ele não se atreveu a magoá-la, e cedeu.

Desgostoso, encerrou-se oito dias na biblioteca, lendo, passeando ou meditando. Parece que a última cousa que leu foi uma sátira do poeta Garção, e especialmente estes versos, que pareciam feitos de encomenda:

O raro Apeles,
Rubens e Rafael, inimitáveis
Não se fizeram pela cor das tintas;
A mistura elegante os fez eternos.

quarta-feira, 29 de novembro de 2006

quarta-feira, 22 de novembro de 2006

The Real Inconvenient Truth

Minas Gerais, 23 de novembro de 2006


Cinco décadas de resistência, e a Rainha Elizabeth II autorizou a iluminação da fachada do Palácio de Buckingham. Atende a uma antiga reinvindicação da indústria do turismo, que reclamava que o Palácio, situado no centro de Londres, ficava às escuras depois que o sol se punha - às quatro da tarde no inverno. De acordo com a imprensa britânica, a Rainha apresentou duas condições: primeiro, queria ter certeza de que as luzes não atrapalhariam o sono da criadagem; segundo, que os engenheiros encarregados do projeto utilizassem fontes de energia ecologicamente corretas. O Palácio de Buckingham ficará iluminado do pôr-do-sol às onze da noite, até o fim do reinado de Sua Majestade.

Tantos cuidados, no entanto, não são suficientes - pelo menos para os ecologistas. O Greenpeace afirmou que a decisão era "decepcionante". A organização alertou para o fato de que "as luzes vão brilhar até o fim do reinado, que poderá ser muito longo". A iluminação, acreditam eles, vai agravar o problema do aquecimento global.

No ano passado não foram poucos os especialistas que apontaram a Gripe do Frango - lembra dela? - como uma epidemia capaz de matar milhões ao redor do mundo em poucos dias. Previsão semelhante já tinha sido feita para outra doença, a Pneumonia Asiática. Em 2001 o antraz protagonizou a histeria epidêmica, e no fim dos anos 1980 a doença da Vaca Louca era um claro sinal do Apocalipse. Durante a Guerra Fria, era consenso que as armas nucleares dos Estados Unidos e da União Soviética destruiriam o mundo em uma hecatombe que duraria segundos.

O número somado das vítimas fatais da Gripe do Frango e da Pneumonia Asiática é inferior ao número de mortos anualmente por gripe "normal". A doença da Vaca Louca matou 170 pessoas em três países, quando o número de bovinos infectados é superior a 180.000. As armas atômicas dos EUA e da URSS não só não destruiram o planeta como foram a principal razão pela qual americanos e soviéticos nunca se enfrentaram diretamente. O mundo não acabou. É interessante, contudo, notar como há sempre uma catástrofe, guerra, epidemia ou calamidade pronta para aniquilar a humanidade.

A grita hoje serve para atentar sobre as conseqüências do aquecimento global. A temperatura da Terra têm aumentado nos últimos 150 anos, graças ao efeito estufa. A utilização de águas subterrâneas para a agricultura, a poluição industrial, os automóveis, o desmatamento e o McDonald's são os responsáveis por verões mais quentes e invernos mais curtos. O capitalismo selvagem está destruindo a Mãe Terra.

No domingo 30 de outubro o Governo britânico divulgou um documento com mais de 700 páginas, escrito pelo ex-vice-presidente do Banco Mundial Sir Nicholas Stern (o documento na íntegra pode ser encontrado no site do Escritório do Tesouro de Sua Majestade). O Relatório Stern prevê um futuro de catástrofes bíblicas - secas, inundações, epidemias - como conseqüência do aquecimento global. E não é só isso: o aquecimento ainda consumirá 20% da economia mundial, provocando uma recessão comparável apenas à Grande Depressão dos anos 1930.

Para a BBC, "uma vez que o estudo é solidamente fundamentado em argumentos científicos, fica difícil discordar". Bill McGuire, do Benfield UCL Hazard Research Centre, foi além, afirmando que Sir Nicholas subestimou os efeitos do aquecimento global. O Greenpeace divulgou nota em que afirma que "o Governo deve agir", além de aplaudir os trabalhistas. Para Simon Retallack, do Institute for Public Policy Research, "aqueles que negam o aquecimento já foram escorraçados da ciência", opinião compartilhada pela Royal Society, para que afirma ainda que os céticos são financiados pelas indústrias do carvão e do petróleo.

Estão todos errados? Certamente.

Inúmeros estudos comprovam que a temperatura média da Terra têm aumentado desde meados do século XIX. Isto é um fato. A ficção fica por conta dos responsáveis por esse fenômeno. O aquecimento está mais relacionado a causas naturais do que a atividades humanas.

A teoria do aquecimento global ganhou a comunidade científica em 1988, quando a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos ouviu um diretor da NASA, James Hansen, declarar que havia uma "relação" entre temperatura e emissão de gases na atmosfera. Antes disso, os eco-cientistas soavam alarmes para um outro problema: o resfriamento global. Por mais de trinta anos a temperatura do planeta diminuiu, e os especialistas não tardaram a apontar os culpados: a gasolina, o aerosol, a chuva ácida e o McDonald's. No final dos anos 1970, quando o aquecimento cessou, os cientistas mudaram o discurso.

A maior parte do aumento de temperatura do século passado ocorreu antes da Segunda Guerra Mundial - antes, também, do grande aumento das emissões atuais de dióxido de carbono. Em verdade, os seres humanos são responsáveis por apenas 3,4% do dióxido de carbono lançado anualmente na atmosfera. Três artigos publicados em maio de 2005 na revista Science atestam que a radiação solar que atinge a superfície da Terra aumentou radicalmente nas últimas duas décadas. Sami Solanki, físico solar, afirma que no último meio-século o sol esteve mais quente do que nos últimos 11.400 anos.

A temperatura do planeta está sempre mudando. Não há estabilidade na natureza. Estes também são fatos. E mais um: a Terra não está ficando quente, está deixando de ser fria. Em 1850 chegou ao fim um período que entrou para a História como Pequena Era Glacial.

Entre os séculos XVI e XIX a temperatura média do planeta Terra caiu drasticamente, ao mesmo tempo em que diminuía a incidência de radiação solar, conforme mostra o gráfico abaixo.

Em 1607 o Rio Tâmisa congelou pela primeira vez - a última foi em 1814 -, e o mesmo aconteceu a outros rios europeus: em 1795 o exército francês marchou sobre os canais holandeses e capturou toda a Marinha Real Holandesa, que ficara presa em Den Helder. Na Islândia, o congelamento dos mares impediu a pesca, e metade da população morreu de fome. O Porto de Nova Iorque congelou em 1780, e as pessoas puderam caminhar de Manhattan a Staten Island.

Antes disso, entretanto, durante a Idade Média, a temperatura do planeta esteve quente o suficiente para permitir que os ingleses plantassem uvas no sul da Grã-Bretanha e que os vikings colonizassem a Groelândia - em inglês, Greenland, ou Terra Verde. Uma esquadra da Marinha Imperial Chinesa circundou o Ártico em 1491 e não encontrou nenhum vestígio de gelo.

A propósito, ninguém fala em aquecimento global sem mencionar o derretimento das calotas polares e o conseqüente aumento no nível dos oceanos. Bastam meia dúzia de chavões e logo chegamos a Tuvalu. Há alguns anos Tuvalu tornou-se o emblema do futuro prometido pelos ambientalistas: o território, que já era pequeno, estava diminuindo graças à subida dos oceanos, e o país "afundaria" até 2100. Desde 2002 os ilhéus contam com um plano de fuga. A Rainha de Tuvalu, Elizabeth II, conseguiu abrigo para os onze mil tuvaluenses depois de debater o tema com a Rainha da Nova Zelândia, Elizabeth II, e com a Grande Chefe de Fiji, Elizabeth II.

O nível dos oceanos aumenta há 18.000 anos, e segundo o Intergovernmental Panel on Climate Changes, órgão ligado à ONU, o derretimento completo da Antártida - onde estão 90% de todo o gelo do mundo - e da Groelândia faria os oceanos subirem pelo menos seis metros. Na Groelândia, bem como na Islândia, a primeira metade do século XX foi mais quente do que a segunda. A maior parte das geleiras islandesas desapareceu na década de 1930, reaparecendo nos anos 1970. Nos últimos 30 anos a Antártida esfriou a uma média de 0,7ºC por década e ganhou massa glacial, em oposição ao que acontecia há 6.000 anos. Os mares antárticos ficam mais tempo congelados hoje do que ficavam há 25 anos.

A temperatura dos oceanos não só não aumentou como, segundo o US National Oceanic and Atmospheric Association, ela diminuiu bruscamente nos últimos dois anos. E em Tuvalu não é registrado nenhum aumento no nível dos oceanos há 48 anos. Pesquisas recentes comprovam que a diminuição do território é conseqüência da erosão resultante da passagem de três ciclones - Gavin, Hina, Keli - que devastaram a região em 1997. Nas Ilhas Maldivas, outro ícone do aquecimento, o mar retrocedeu e os oceanos desceram 30 centímetros nos últimos 30 anos.

Ora, e não são ciclones e furacões mais violentos conseqüência do aquecimento global? Não. A devastação causada pelo furacão Katrina em Nova Orleans, no ano passado, foi motivo de júbilo para ecofascistas de todo o mundo. Era o purgatório de George W. Bush, que sofria os incovenientes de seu próprio desprezo pelas questões ambientais. A mensagem era clara: a natureza estava se vingando. À luz dos fatos, contudo, as coisas ficam diferentes. Não há nenhum estudo que comprove a relação entre aumento de temperatura e intensidade dos fenômenos climáticos. Quando muito, há "sugestões". Na década de 1950 os Estados Unidos foram atingidos por 37 tempestades violentas. Nos anos 1990, apenas 19. Dez furacões de categoria 5 nos anos 1950. Na década de 1990, a metade disso.

Uma palavra - alarmismo. No depoimento de James Hansen à Câmara dos Representates citado anteriormente, o diretor da NASA afirmou que até o final do século XX a temperatura média da Terra aumentaria em 0,3ºC - aumentou em 0,1ºC. Também declarou que os oceanos subiriam muitos metros - na realidade, pouco menos que 30 centímetros. Sir Nicholas Stern, no famigerado relatório, atesta que até 2035 a temperatura da Terra terá aumentado em 2ºC. Alarmante. O que não fica explícito é que não são 2ºC a mais em relação à temperatura atual, mas à que foi precariamente medida em 1750.

Talvez você nunca tenha ouvido falar em Patrick Moore, mas em 1971, junto com outro ambientalistas, ele fundou a primeira grande ONG ecologista: o Greenpeace. Mr Moore abandonou o grupo quinze anos depois, alegando que a entidade estava mais preocupada em combater o capitalismo e a globalização do que em proteger o meio ambiente. "Em meados dos anos 1980 o movimento ambientalista abandonou a lógica e a razão em nome da pieguice e do sensacionalismo".

Para os pacifistas verdes, a divulgação do Relatório Stern é uma excelente oportunidade para "discutir" o crescimento da aviação. Patrick Moore defende a energia nuclear - que não emite dióxido de carbono na atmosfera - e os alimentos geneticamente modificados. Em agosto deste ano ele concedeu uma entrevista à revista Galileu em que afirma que

No momento o Greenpeace tem uma pauta que não ajuda em muita coisa. No campo da mudança climática, eles prevêem um desastre ambiental, em que eu não acredito. É verdade que o clima está aquecendo, e tem estado desde a Pequena Idade do Gelo, há 500 anos. Era mais quente no período medieval, 1.000 anos atrás, do que hoje. Mesmo que sejamos parte da causa do aquecimento, muitos dos impactos serão positivos, especialmente em países mais frios como a Rússia, o Canadá e muitas nações européias. Mas talvez o ponto mais importante seja a necessidade de uma redução de 80% no consumo de combustíveis fósseis para estabilizar os níveis de CO2 na atmosfera. Seria a destruição da civilização como a conhecemos. Assim, é muito menos custoso nos adaptarmos ao aquecimento do que tentar preveni-lo. O Greenpeace não oferece nenhuma solução, só mantém a briga sem nenhum resultado positivo. Concordo que precisamos desenvolver mais energias renováveis, mas eles também são contra represas e uso de árvores como lenha, e 95% de toda a energia renovável disponível no mundo hoje vem dessas fontes, água e madeira.


"O apreço de Patrick Moore pelo Greenpeace é recíproco", explica a revista

"Suas ações são um marketing custeado por empresas que fazem 'lavagem verde'", diz Mariana Paoli, coordenadora da campanha de engenharia genética da ONG, referindo-se a iniciativas que dissimulam danos ambientais. "A Aliança Florestal de Colúmbia Britânica, de que ele faz parte, é patrocinada pela indústria madeireira." Seus argumentos em defesa dos transgênicos também são falhos, afirma. "O problema da desnutrição é a falta de acesso aos alimentos, não a qualidade ou a quantidade do que existe na natureza", diz Paoli.

Em carta enviada ao Estado de S. Paulo e publicada em 18 de novembro, a diretora de comunicação do Greenpeace Brasil, Gladis Éboli, reduz Mr Moore a um "ex-colaborador" que "ao sair da organização, passou a prestar consultoria paga a empresas que fornecem produtos/serviços para a indústria nuclear". A carta diz ainda que "o Greenpeace, ao contrário de Moore, não aceita doações de empresas, governos e partidos políticos".

A tática que o Greenpeace emprega na reação a Patrick Moore tem um pomposo nome latino - argumentum ad hominen - e é comum a muitos dos ecofundamentalistas: ao invés de contestar os argumentos desenrolados pelos céticos, ataca-se os autores desses argumentos - todos, como declara a Royal Society, financiados pela indústria do petróleo e do carvão. É forçoso observar, no entanto, que ainda que se orgulhe de ser independente de "empresas, governos e partidos políticos", o Greenpeace não se acanha por empunhar como verdade absoluta um documento produzido por um Governo, nem por aplaudir o Partido Trabalhista.

A postura do governo Blair, aliás, é encantadoramente elucidativa. Ilustra com primazia a percepção de que é outro verde, que não o das matas, que instiga muitos amantes da natureza. Para o líder do Labour Party, a inércia frente o aquecimento global terá um resultado "literalmente desastroso". Pouco depois, ele declarou a intenção de criar "impostos verdes". Anthony Blair também quer leis que obriguem empresas a ter uma postura ecologicamente correta.

E ele não está só: avança no Congresso Nacional, com apoio declarado do Governo Federal, proposta que cria o Imposto de Renda Ecológico. De acordo com a iniciativa, o cidadão-contribuinte poderá destinar parte de seu imposto de renda para projetos de conservação ambiental. Tanto este governo quanto o passado rejeitaram uma correção na tabela do imposto de renda alegando que não havia os fundos necessários. Um indecoroso abracadabra, e para ONGs carentes de fiscalização a burocracia encontra fundos: os nossos. Tom Delay, diretor executivo da Carbon Trust, vê no Relatório Stern "uma oportunidade muito grande de negócio". Em tempo, a Carbon Trust é uma empresa do Governo britânico. Sem fins lucrativos.

Sir Nicholas também tem um plano messiânico capaz de nos salvar da destruição. Ele não se contenta em apontar o rei nu, mas também oferece-lhe vestes. É um prodígio! O Emplastro Nicholas Stern envolve uma solução altamente burocratizada e centralizada, a um custo que o próprio considera insignificante - 1% do PIB mundial até 2050, ou 450 bilhões de dólares anuais. O que era ofensivo ficou chocante quando o plano foi desmentido pelas Nações Unidas, que estima os custos do combate ao aquecimento global em 5% do PIB mundial - 2,25 trilhões de dólares. E o que já era chocante ficou escandalizador depois da observação feita pelo Visconde Monckton of Brenchley, para quem é no mínimo irresponsável investir tanto para resolver um problema sobre o qual pesam consideráveis dúvidas, quando uma fração desse montante - 75 bilhões de dólares - é suficiente para garantir saneamento básico, saúde e educação a todos os 6,5 bilhões de habitantes da Terra.

Falando nisso, alguém lembra do Protocolo de Kyoto? Este era também um tratado internacional, que exigia a redução dos gases que promovem o efeito estufa. George W. Bush tornou-se a besta fera dos ambientalistas ao rejeitar as medidas, argumentando que elas prejudicavam interesses econômicos americanos. Milhares de árvores vieram abaixo para que a imprensa brasileira, à direita e à esquerda, vendesse a idéia de que o Brasil estava fazendo um bom negócio. A idéia é simples: os países signatários têm de reduzir as emissões de carbono aos índices de 1990, ficando os países em desenvolvimento dispensados dessa meta. Eles podem, no entanto, “vender” suas emissões de carbono a países ricos.

Terminou na semana passada em Nairobi a 12ª Conferência do Clima da ONU. Ganhamos um prêmio, o "Fóssil", concedido ao país que mais criou obstáculos às negociações sobre mudança climática. Somos um dos líderes do movimento que tenta impedir que os países em desenvolvimento também tenham de reduzir suas emissões de carbono. A proposta partiu da própria ONU, que argumentou que esses países estão entre os maiores poluidores do mundo. A partir de 2009 a China tomará dos Estados Unidos o primeiro lugar no ranking dos maiores poluidores. Na última década a Índia aumentou em 50% sua emissão de carbono na atmosfera.

O Brasil ocupa a 5ª posição no ranking, e o desmatamento responde por 75% das nossas emissões de carbono. Na Conferência, o Brasil se opôs à adoção de metas de redução de deflorestamento, considerando a proposta uma "intervenção externa" no modelo de desenvolvimento nacional.

O país também é destaque quando o tema em discussão é o gás metano. Ele é, depois do dióxido de carbono, o maior contribuinte para o incremento do efeito estufa. Responsável por 1/10 de todo o metano emitido no mundo, 29% deles produzido de maneira pouco elegante pelas milhões de vaquinhas que pastam alegres por nossos campos verdejantes. Não há, todavia, motivo para pânico. Organizações internacionais apresentaram ao Governo brasileiro a solução: mudança na dieta dos bovinos, de modo a melhorar a digestão - tudo por algumas centenas de milhões de dólares. E há também soluções nacionais, como a do professor da USP Paulo Machado, para quem o Brasil pode ficar muito bem, obrigado, com apenas 10% do rebanho atual.

O aquecimento global é um tigre de papel. Papel-moeda. Quando ouvir falar em ecologia, vá logo sacando a carteira. Mas não arruíne suas finanças. Um climatologista russo, Khabibullo Abdusamatov, baseado em previsões sobre a radiação solar, acredita que um resfriamento do planeta terá início em 2012, chegando ao fim no início do século XXII. Como não são poucas as vezes na História em que a minoria esteve certa, não é loucura conferir-lhe algum crédito. E quando isso acontecer, vamos precisar do seu dinheiro para combater uma outra ameaça que há de pairar sobre nossas cabeças.

Eu aposto que serão os marcianos.


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Link para a seqüência.

sábado, 18 de novembro de 2006

Obituário: Senador Ramez Tebet

Faleceu há pouco em, Campo Grande, o Senador da República pelo Estado do Mato Grosso do Sul Ramez Tebet. Nascido em Três Lagoas em 1936, era advogado formado pela Universidade de Direito do Rio de Janeiro. Sua carreira política começou em 1975, quando tornou-se prefeito de sua cidade natal. Quando terminou o mandato, assumiu a Secretaria de Justiça do Mato Grosso do Sul. Um ano depois foi eleito Deputado Estadual Constituinte e relator da primeira Constituição do Estado. Foi Governador, Superintendente da SUDECO (Superintendência do Desenvolvimento da Região Centro-Oeste) e Ministro da Integração Nacional no governo de Fernando Henrique Cardoso. Tebet foi eleito Senador em 2001, ocupando a Presidência do Senado Federal.

Ramez Tebet morreu em casa, aos 70 anos. Deixa esposa e quatro filhos.

quarta-feira, 15 de novembro de 2006

Memória para meus filhos

A Princesa Imperial Dona Isabel Christina Leopoldina Augusta Michaela Gabriela Raphaela Gonzaga de Orleans e Bragança escreve sobre a quartelada de 15 de novembro de 1889.
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Opinião de Papai e nossas: "Se soubesse exatamente como as coisas se achavam, teria ficado em Petrópolis, de onde depois ter-me-ia internado mais e mais, se fôsse necessário".

Papai diz, provavelmente, para não aumentar a culpa, que o Ouro Prêto não o chamou ao Rio, mas que pensou, com sua presença, tudo serenar, e portanto não duvidou em descer para o foco, onde estaria mais perto dos acontecimentos e mais depressa, poderia providenciar.

Diz Papai também que foi êle quem se lembrou do Silveira Martins para suceder ao Ouro Prêto. Em todos os casos como é que o Ouro Prêto não o dissuadiu disso?

Além de que é contrário ao seu costume deixar seguir o parecer do Presidente do Conselho que se demite; por coisas que ouvi, creio que foi o Ouro Prêto quem indicou o Silveira Martins, assim como foi êle quem chamou Papai de Petrópolis.

Ambas as idéias foram desacertadas!

Com outras medidas se teria evitado o mal? Não sei. Gaston também foi de opinião de conservarmo-nos em Petrópolis, mas não teve meio de comunicar-se com Papai, e quanto a mim, que sempre vejo tudo pelo melhor, estava longe de pensar que sucederia o que sucedeu, e portanto atuou muito no meu espírito a idéia de não fazermos um papel que mais tarde tornasse menos fácil a nossa posição, podendo-se-nos acusar de pusilanimidade.

Como o Ministério, e especialmente os Ministros da Guerra, da Marinha e da Justiça e o Presidente do Conselho por êstes não sabiam nada? Imprudência! e mais imprudência! descuido ou o quê? Uma vez que a fôrça armada tôda estava do lado dos insurgentes, todos nós, nem ninguém poderia fazer senão o que fizemos.

Quando os primeiros dias de angústia são passados, e meu espírito e coração acabrunhados pela dor podem exprimir-se a não ser por lágrimas, deixai-me, filhinhos, que lhes conte como se deu a maior infelicidade de nossa vida! Eram 10 horas da manhã do dia 15 de novembro de 1889, quando a casa chegaram o Visconde da Penha e o Barão de Ivinheima declarando-nos que, diziam, parte do exército insurgido, e na Lapa achar-se um batalhão ao qual se tinham reunido os estudantes da Escola Militar, armados. Pouco depois, chegaram o Tosta, Mariquinha e Eugeninha, pouco depois o White. Foram então chegando, sucessivamente, o Ismael Galvão, Miguel Lisboa, Pandiá Calógeras e senhora, Lassance, Major Duarte, Barão do Catete, Carlos de Araújo, Drs. Rebouças e Araújo Góis.

As notícias que chegavam eram tais que a nós pareciam exageradas. O Miguel Lisboa ofereceu-se então para ir ao próprio Campo da Aclamação saber do que havia. Daí voltou dizendo que o Ministério estava sitiado no Quartel e o Ladário dado como morto.

Ligamos os telefones com os Arsenais de Marinha e Guerra que responderam nada saber.

Não quis sair logo do Paço Isabel temi que talvez não sendo as coisas como se diziam, não viessem mais tarde acusar-me de mêdo, do que aliás, nunca dei provas.

Pouco depois vieram notícias de que tudo estava apaziguado, nada mais haver a recear, mas todo exército coligado ter impôsto e alcançado a retirada do Ministério. Gaston exclamou: a Monarquia está acabada no Brasil. Ainda iludida, eu julguei que tal exclamação era pessimismo. Também nos informaram que o Deodoro tinha a seu lado o Bocayuva e o Benjamin Constant e que declarara um Govêrno Provisório. O Rebouças chegou a casa e veio também da parte do Taunay com o plano de que Papai se conservasse em Petrópolis, e aí estabelecesse o Govêrno internando-se se fôsse necessário.

Nesse ínterim ninguém sabia como comunicar com Papai, temendo-se uma traição do telégrafo central no Campo, provavelmente em mãos dos republicanos; com efeito, pouco depois o Capanema declarava que entregara o telégrafo a êstes. Os meninos, fizemo-los partir, antes do recado do Capanema, para bordo do "Riachuelo", enquanto esperavam a saída da barca das quatro para Petrópolis. Era o meio de informar Papai do que havia e também pôr os meninos fora do barulho. A meio-dia e tanto recebemos telegrama do Mota Maia dizendo que Papai partira de Petrópolis e que vinha pelo caminho de ferro do Norte. Resolvemo-nos a ir ter com êle em São Francisco Xavier, tomando uma lancha que nos arranjou o Barão do Catete. Partimos com os Tostas. De Botafogo nos dirigimos ao Caju, quando, em caminho, Gaston avistou em frente a Misericórdia os carros de Papai. Dirigimo-nos ao Cais Pharoux e aí soubemos que, com efeito, êle já se achava no Paço da Cidade.

Desembarcamos e com êle e Mamãe aí ficamos.

Apareceu nesse dia alguma guarda, e um piquete que ainda veio pôr-se às ordens de Papai.

Papai mandou pelo Miranda Reis chamar o Ouro Prêto que declarou de maneira alguma poder continuar com o Ministério dando ainda, como razão, alguma deslealdade da parte de colegas.

Por volta de 6 horas, chegaram Amandinha e o Dória, Pedro Augusto, a Baronesa de Suruí e outras pessoas.

O Miranda Reis, Olegário, Silva Costa e Penha tinham passado todo o dia acompanhando o Imperador. Estiveram também o Conde e a Condessa de Carapebus, Condessa de Baependi, D. Maria Cândida, Pandiá e senhora, Mariquinha e Eugeninha, e talvez outras pessoas de que não me lembro.

A noite compareceram o Taunay, Tomás Coelho, Soares Brandão e os Conselheiros de Estado, a exceção de Sinimbu, Nunes Gonçalves e do Correia, Bom Conselho e Olegário, que retiraram-se antes da sessão.

Soube-se que o Ouro Prêto havia indicado a Papai o Silveira Martins para compor o Ministério. Mas êste ainda devia chegar do Rio Grande, e demais era inimigo figadal do Deodoro. Reunidos os Conselheiros de Estado, deram como opinião a nomeação urgente para Presidente do Conselho de alguém que estivesse imediatamente a mão, e não fôr inimigo do Deodoro e com êle pudesse se entender.

Papai manda chamar o Saraiva que, tendo já vindo, se achava novamente em Santa Teresa. O Paranaguá para lá parte imediatamente e, não achando condução, sobe a pé. Chega o Saraiva, aceita, e segundo o alvitre do Andrade Figueira, manda um emissário (Trompowski, genro do Andrade Figueira) entender-se com o Deodoro para ver se o traz a bom caminho. Leva uma carta cujos têrmos do conteúdo ignoro. Às 2 horas da manhã, Trompowski volta declarando que não havia meio de nada arranjar e que o Deodoro declarou-lhe considerar-se irrevogâvelmente Presidente da República. Chocou-me o modo de camaradaria que êle conta ter usado com os tais...

No dia 16 de manhã ainda entravam e saíam pessoas do Palácio, mas os guardas aumentam e não havia mais meio que se reunissem grupos a roda do Paço. Constantemente ouviam-se correrias de cavalaria em tôrno para espalhar a gente. Pelas 10 horas, já ninguém podia penetrar, nem mesmo senhoras. Vimos, por vêzes, ainda que pouco chegassemos as janelas, alguns conhecidos que de longe, nos cumprimentavam. Que horrível dia! Meu Deus! Vários alvitres foram levantados. Ninguém sossegava.

Às 2 horas finalmente chegou a tal Comissão do Governo Provisório, que anunciavam desde a véspera, com uma mensagem a Papai, exigindo sua retirada para fora do país. Compunha-se do Major Solon e outros oficiais subalternos.

Por sua atitude respeitosa pareciam ir cumprir uma mensagem ordinária. O Major Sólon mostrava-se tão perturbado que ao entregar o papel a Papai deu-lhe o tratamento de Vossa Excelência, Vossa Alteza e finalmente Vossa Majestade. Entregando-o a Papai, o Major Sólon disse: "Venho da parte do Govêrno Provisório entregar mui respeitosamente a Vossa Majestade esta mensagem".

- "Não tem Vossa Majestade uma resposta a dar ?" disse êle.
- Por ora não, respondeu Papai.
- Então posso retirar-me? disse Sólon.
- Sim, respondeu Papai.

Só as pessoas que se achavam no Paço, Papai declarou que se retirava, e que se não fôsse pelo país, para êle, pessoalmente, era uma despachação. Papai sempre calmo e digno.

Dizer o que, se passava em nossos corações, não é possível!

A idéia de deixar os amigos, o país, tanta coisa que amo, e que me lembra mil felicidades de que gozei, fêz-me romper em soluços! Nem por um momento desejei uma menor felicidade para minha pátria, mas o golpe foi duro!

A noite fomos descansar, algumas pessoas tiveram licença de sair para os arranjos necessários.

O Lassance tinha que vir falar com Gaston, e depois de uma hora da noite bateu a porta. Pensando que só era êle e não imaginando dever partir tão cedo, nem esperando por mais essa picardia, deitei-me de novo quando Gaston voltou a dizer-me de levantar-me que o Mallet e o Simeão estavam aí pedindo da parte do Govêrno Provisório que Papai partisse antes do dia, o povo parecendo querer fazer alguma manifestação, e os rapazes das Escolas já com metralhadoras para atirarem sôbre quem quisesse resistir. Acordei então Papai e Mamãe e, com êles, Pedro Augusto, Josefina, o Aljezur, Tamandaré, Mota Maia, embarcamo-nos, dizendo-se que íamos para o "Alagoas". Despediram-se de nós no Cais Pharoux, Miranda Reis, Penha, Marianinha, Pandiá e Senhora.

Papai quis saber do motivo que fazia precipitar sua partida declarando que só consentia nisso para evitar conflito inútil. Ao embarcarmos, disse eu ao Mallet que se êles tivessem qualquer lealdade não deixariam de declarar isto; o mesmo já Papai dissera antes e tornou a repeti-lo e chegando já ao cais depois de algumas palavras trocadas, disse: - Os senhores são uns doidos!

Foi a única frase um pouco dura, mas bem merecida, que Papai lhes disse.

Ao pôr o pé no vapor, foi que soubemos que em vez do "Alagoas" levavam-nos para o "Parnaíba". Em tudo notamos receio e atrapalhação.

Os meninos que, na véspera, mandáramos chamar de Petrópolis, chegaram, graças a Deus, com o Doutor, Mr. Stoltz, o Rebouças e o Welsensheim (Ministro Austríaco). Com os outros diplomatas que estavam no Rio, foram de uma grande má fé; no sábado já os tinham impedido de vir-nos ver no Paço da Cidade, e no domingo, depois de os fazerem subir para o salão do Arsenal com promessa de irem a bordo despedir-se de nós, na hora de embarcarem Mariquinha e Amandinha, lhes foi declarado que não podiam mais ir porque não teriam condução para a volta. Entretanto, o "Parnaíba" tinha levado ordem de voltar da Ilha Grande! Vieram a bordo do "Parnaíba" Maria Eufrásia e Sebastião Laje. Domitília que também veio, só nos pôde ver de longe.

O "Alagoas", onde embarcou a comitiva que se achava fora em arranjos meus e dêles, partiu a 1 hora e meia. Estiveram a bordo do "Alagoas" algumas pessoas que procuraram ver-nos. Carapebus (que entrara as escondidas com a Condessa, do Paço no dia 16, assim saíram encarregados por nós de velar pelos meninos, caso fôsse necessário), Marinha, Yeats, Lopo Diniz e filho, Mamoré e Beaurepaire Rohan.

Quanto ao "Parnaíba", depois de muitos recados desencontrados, saiu conosco barra fora as 10 e meia e dirigiu-se a Ilha Grande, onde então passaríamos para o "Alagoas". As 8 horas da noite, com efeito, apesar da escuridão que era muita, e do mar agitado, passaram-nos para bordo do "Alagoas", onde encontramos a nossa comitiva bem sobressaltada com a difícil trasladação a tais horas de um navio para outro; e na verdade perigo havia sobretudo para Papai e Mamãe, e para as crianças. A meia-noite partiu da Ilha Grande o "Alagoas", com direção a Europa, passando defronte do Rio de Janeiro no dia 18 às 6 e meia da manhã.

Nesse dia, o "Riachuelo" veio ter conosco e até agora nos segue, obrigando-nos, muitas vêzes, a parar ou retardar nossa marcha, e fazendo um papel ridículo e tolo: guardar quem êles devem bem saber nada podem empreender agora, pois o resultado seria conflitos e sangue.

O "Riachuelo" acha vir guardando-nos, entretanto posta-se do lado do mar, deixando-nos assim livres de dirigirmo-nos para qualquer província sem que éle nos possa impedir, pois a sua marcha é só de pouco mais de metade da nossa, acrescentando-se ainda que nem se saberia haver sós, pois levam todo o tempo a pedir-nos rumo!

(Tudo isto foi escrito antes do "Riachuelo" largar-nos a 22 de novembro de 1889 e copiado muito mais tarde em Cannes, assim como o que segue escrito em diferentes datas anotadas. Acho mais, no borrão a lápis, uma nota, que, por ser difícil intercalar no que precede, copio-a agora aqui mesmo:

- Papai incomunicável, assim como o ministério sitiado, mandei pedir ao Dantas que me dissesse o que pensava. Veio logo ter comigo, e sem encarregá-lo de missão alguma política, pois nada devia fazer a êsse respeito, pedi-lhe que visse o que dever-se-ia empreender e nesse intuito saiu de minha casa. Quando penso agora que êle me disse:

"Vossa Alteza não receie nada, peço que tenha tôda confiança em mim, eu não quero república, eu não admito república!").

De bordo do Riachuelo tinha vindo para bordo do Alagoas (já aí se achava quando embarcamos) o Tenente Amorim Rangel; êste tendo adoecido veio substitui-lo o Tenente Magalhães Castro. Ambos a bordo e vão conosco até Lisboa.

No dia 30 de madrugada chegamos a São Vicente do Cabo Verde e no dia 1 partimos com a nossa bandeira arvorada.

Saúdes boas até o dia 1. Mamãe nesse dia sentiu-se resfriada e no dia 2 ficou no quarto. No dia 2 ao jantar, bebemos a saúde de Papai, êle respondeu as nossas saúdes brindando: À prosperidade do Brasil!

Todos cordialmente tomaram parte no nosso regozijo, e o comandante e gente de bordo mostravam-se especialmente dispostos a nos testemunhar sua simpatia por todos os modos possíveis, o Tenente Magalhães Castro, de farda, conservou-se todo o dia, e veio nos saudar pelo aniversário. Todos os da comitiva escreveram pensamentos, que, assinados, viemos entregar a Papai. Foi grande minha comoção quando, de manhã, vim abraçar Papai. Já no dia meu coração sobressaltava-se ao ver içar, ao sair de São Vicente, a nossa bandeira, ainda não hasteada neste vapor desde a partida. Não pude deixar de bater palmas e tive um momento de grande júbilo. Parecia-me a esperança! Lembrei-me de tantos momentos de verdadeira felicidade!

Desde êste dia Pedro Augusto voltou ao seu estado natural; já a bordo do Parnaíba mostrava-se receoso de tudo e de todos os que não eram da comitiva, vendo ciladas, assassinatos e veneno por tôda a parte. Tivemos sérios receios pelo seu juízo, sobretudo a bordo do "Alagoas".



4 de dezembro de 1889.

Avistamos ontem Tenerife, primeiro o pico sôbre as nuvens e a parte baixa da ilha por baixo delas, depois a ilha de mais perto, mas já o pico nas nuvens. Mar inteiramente calmo, quando na véspera não pudera levantar-me.



5 de dezembro de 1889.

Para maior clareza e evitar dúvidas futuras, direi que, do Rio, no Parnaíba, como pessoas que acompanhavam a Família Imperial, vieram Josefina, Aljezur, Mota Maia, Manuel Mota Maia e o Rebouças que aí chegara, vindo de Petrópolis, juntamente com os meninos, e mais as duas criadas de Mamãe e os dois criados dos meninos.

O Amarante, a senhora e o pequeno Manuel vieram despedir-se de nós na Ilha Grande, tendo ido no Alagoas e voltando no Parnaíba. Mr. Stoll do Parnaíba saira ainda no Rio para despedir-se dos seus e buscar suas coisas e só pode ir ter conosco na Ilha Grande, no Alagoas, assim como os Tostas (Eugeninha tinha saído com êles para se arranjar) que tinham ido a minha casa e a dêles na noite de 16 para 17 para arranjos meus e dêles e despedidas, os Dórias que também tinham ido a arranjar e despedidas pela mesma ocasião e minha criada que tinha seguido os Tostas por causa de minhas malas.



Cannes, 30 de maio de 1890.

MINHAS CONVERSAS A BORDO DO "PARNAÍBA"

Com um oficialzinho da fazenda, ainda parados no pôrto:

- Vossa Alteza compreende que esta transformação era necessária.
- Pensava que se daria, mas por outro modo: a nação iria elegendo cada vez maior número de deputados republicanos, e êstes, tendo a maioria, nos retiraríamos.
- Assim nunca podia ser feita, porque o poder é o poder.
- Quanto a ser a expressão da vontade da nação, não. Estou convencida de que se cada um votasse livremente, a maioria por meu Pai seria incontestável. Agora tudo foi feito pelo exército, armada, por conseguinte pela fôrça. Pode-se mesmo dizer tudo foi feito por alguns oficiais.
- Mas ver-se-á isto por meio da constituinte proximamente.
- Não disse o senhor que o poder é o poder?!

O rapazinho, aliás, falava respeitosamente e parecia bem intencionado e comovido da nossa dor.



Com o comandante do "Parnaíba", Palmeira:

- Falava-se das questões militares. Veio a falar-se de suas diferentes fases do momento em que se quis obrigar o exército a ir pegar os pretos fugidos em São Paulo. Disse em resumo isto: o exército deve obedecer, mas também quem manda deve igualmente lembrar-se que manda a pessoas a quem deve certas considerações.



Falando-se dos acontecimentos que deram lugar a crise, e das acusações que se nos faziam de intervenção, dissemos que nunca nos metíamos nos negócios (o Estado, e que até ignorávamos completamente que tivessem embarcado ou devessem embarcar corpos do exército.

Escrevo tudo isto, porque é raro relatar-se exatamente o que se ouve.

Soube em viagem que, no dia 10, embarcara um batalhão; no dia seguinte a noite do baile da Ilha Fiscal, o que dera ocasião a que se dissesse que, enquanto uns se divertiam, gemiam as famílias dos soldados. Soube que muitas poucas pessoas do exército e da armada foram convidadas para o baile. Que o C. de Oliv. mostrara-se áspero em certas ordens como Ministro da Guerra. Que o Chefe de Polícia Basson, em conferência de ministros que precedeu ao baile dissera que os militares preparavam uma grande reunião para essa noite. Na conferência seguinte os colegas, perguntando o que havia, o C. de Oliv. respondeu não ter havido nada de importância. Na noite de 14, às 9 horas, foram (creio que o Basson mesmo) avisar o Ouro Prêto de que o regimento tal se rebelara. O Ouro Prêto começou por não dar grande importância a tal informação, tanto que só a 1 hora da noite, depois de outras informações, é que fôra para a Secretaria de Justiça.

A senhora do Rio Apa, no dia 14, a noite, fôra a casa de Amandinha.

O Dória voltara de Petrópolis muito endefluxado e se achava em cima.

Amandinha recebeu a senhora em baixo. Esta lhe disse que as coisas não pareciam boas, que o marido devia vir também a casa dela.

Chegado êste, só falou com Amandinha com meias palavras e foram-se.

Mais tarde o Dória exprobrando o Rio Apa de não tê-lo avisado, êste respondeu que pensava que, como ministro, deveria estar ao fato de tudo. Êste, no dia 15, a sua brigada tendo bandeado, parecera ir colocar-se ao lado dos ministros, foi demitido pelos revoltosos e, logo depois, fêz a ordem do dia em que declara o dia 15 de novembro o mais glorioso! Expliquem tudo isto!


RESUMO

Grande incúria, muita falta de cuidado, sobretudo por parte dos ministros da Guerra e Justiça, personificados no C. de Oliv.; corda esticada demais pelo C. de Oliv. e Ouro Prêto; Exército ou antes oficiais muito minados pelas idéias republicanas e sabendo proceder com muita discrição; tolice do Deodoro que, estou convencida, foi mais longe do que queria; esperteza do Bocayuva e Benjamin Constant que souberam aproveitar a ocasião; verdadeiro ratoeiro para o ministro e para nós, e finalmente fôrça maior que decidiu tudo.



Princeza Isabel

sexta-feira, 10 de novembro de 2006

Réquiem

Os vitorianos guardavam luto por pelo menos quatro anos. Não pretendia chegar a tanto, mas queria um tempo para o Réquiem dos valores que prezo. Daí lembrei-me que quinze de novembro está logo ali, e esse sim era motivo para guardar luto pelo resto do ano.

Posts novos só na próxima semana. A seção de links foi organizada, com destaque para Peter Hitchens, o maior responsável pela minha conversão à direita.

quinta-feira, 2 de novembro de 2006

Aniversário da Rainha Sofía de Espanha

Sofia Margarita Victoria Frederika Scheleswing-Holstein Sondeburg Glucksburg (Σοφία Μαργαρίτα Βικτωρία Φρειδερίκη) é a filha mais velha do Rei Paulo I e da Rainha Frederika, partiu para o exílio quando tropas alemãs invadiram a Grécia, durante a Segunda Guerra Mundial, em 1941. Morou na Cidade do Cabo, em Alexandria, Creta, Londres e Cairo, de onde seu pai enviava mensagens ao povo grego.

Em 1946, a Família Real retornou a Atenas e Sofia, então com oito anos, começou a estudar em escola pública. Com onze, foi para a Alemanha estudar em um internato.

Quando tinha quinze anos conheceu Don Juan Carlos de Borbón, filho mais velho de Don Juan, Conde de Barcelona e de jure Rei de Espanha. Não foi um encontro propriamente romântico. A judoca não gostou quando "Juanito" disse que não havia porquê uma dama praticar o judô. Ela o derrubou.

Foi no casamento do Duque de Kent que Juan Carlos demonstrou interesse na princesa pela primeira vez. Aparentemente pela força do protocolo, Juan Carlos foi escolhido para acompanhá-la durante sua estada em Londres. Depois soube-se que a coincidência fora organizada pela Rainha Frederika e pela Rainha Vitória Eugênia. Um tímido Juan Carlos, para pedi-la em casamento, jogou uma caixinha com um anel no ar e atentou "Sofía". Depois foi tratar com o pai dela. Anos depois, em uma entrevista, ela lembraria do momento: "Eu ainda estou esperando o pedido. Ele me deu um anel e foi só".

O primeiro obstáculo foi o da linguagem. Ele era fluente em francês, espanhol, italiano e português. Ela falava alemão, grego e inglês. O problema foi resolvido quando ela aprendeu o espanhol e ele o inglês, idioma com o qual se falam até hoje.

O segundo obstáculo foi o Generalíssimo. Francisco Franco, em uma ocasião anterior, disse que "de maneira alguma" o futuro Rei de Espanha casar-se-ia com uma princesa grega. Talvez por isso Franco só tenha tomado conhecimento do noivado junto com o resto do mundo, em 13 de setembro de 1961, quando foi anunciado em Lausanne, Suíça. Sofía, no entanto, soube conquistar o ditador. Logo após o primeiro contato, Franco considerou-a "inteligente, agradável e muito culta". Carmen Polo, a esposa do Generalíssimo, contou a uma amiga que a princesa "roubou o coração de Paco".

O terceiro obstáculo era o religioso. Era consenso que a Rainha de Espanha deveria ser católica. Entretanto, como o casamento seria celebrado em Atenas, o Rei Paulo I fez questão de uma cerimônia ortodoxa. Em 14 de maio de 1962 contraíram matrimônio em uma cerimônia dupla - uma católica e uma ortodoxa. Doña Sofía converteu-se ao catolicismo logo depois. Um ano e sete meses depois deu à luz a primeira filha, a Infanta Elena. Depois vieram Doña Cristina e Don Felipe, o Príncipe de Astúrias.

Em 22 de julho de 1969 foram declarados Príncipes de Espanha, e em 22 de novembro de 1975, logo após a morte de Francisco Franco, são proclamados Reis em uma austera cerimônia. Sempre considerou, como confessou a Pilar Urbano, que seu papel é secundário, apenas de apoio ao Rei.

Considerada exemplo de Rainha por especialistas em todo o mundo, herdou da mãe um caráter independente, a disciplina e um estrito auto-controle. Só perdeu o controle de suas emoções no funeral do Conde de Barcelona, em 1993, e na missa em homenagem aos mortos do atentado de 11 de Março em Madrid.

Devotada aos filhos, admirada pela elegância e sensibilidade. Célebre defensora dos animais, detesta as touradas, das quais o Rei é fã. Hoje completa 68 anos, vítima de uma virose que a impediu de acompanhar o marido em viagem ao Uruguai.

Muchísimas felicidades, y que cumpla muchos más, Majestad.

terça-feira, 31 de outubro de 2006

Princesas de Contos de Fadas



O jornal espanhol Diario ABC traz um especial com as Princesas mais belas do mundo.

domingo, 29 de outubro de 2006

Vou-me embora pra Pasárgada.

quarta-feira, 25 de outubro de 2006

Strong Maggie

Margaret Thatcher defende o afundamento do Belgrano durante a Guerra das Malvinas.

"One moment... that ship was a danger to our boys. That's why that ship was sunk... I know it was right to sink her, and I'd do the same again."

terça-feira, 24 de outubro de 2006

Viva a modernidade!

Há 30 anos vinha abaixo o Palácio Monroe. Primeira obra arquitetônica brasileira a ser reconhecida internacionalmente, o grande palácio branco capitulou ante os ataques do jornal carioca O Globo - que o chamava monstrengo do passeio público sem importância - e a fúria dos modernistas, encantados com a arquitetura moderna de Oscar Niemeyer.

O modernismo arquitetônico, um upgrade do modelo utilitarista soviético, desprezava os detalhes trabalhados, típicos do neoclassicismo. Uma relíquia do passado desconsiderada pelos progressistas que torcem o nariz pra tudo que pareça antiquado ou ultrapassado, o Palácio Monroe é um símbolo da farsa positivista de que o novo é sempre melhor do que aquele que foi substituído. E pra não restar dúvidas, está aí o atual prédio do Congresso Nacional, com as torres e os pratos. Viva a modernidade!

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

L'ami du peuple (2)

Minas Gerais, 24 de outubro de 2006


Günter Grass, apesar das sugestões de muitos de seus compatriotas, inclusive da Chanceler Angela Merkel, não devolveu o Prêmio conferido pela Academia Sueca em 1999. Depois de confessar ter feito parte da Waffen-SS, muitos foram os que insinuaram um desconforto no Comitê Nobel, houve até quem dissesse que os nórdicos retirariam a premiação antes concedida.

As recentes revelações sobre a juventude do laureado são por demais ilustrativas. Militante da esquerda - meio caminho para ganhar um Nobel -, Hr Grass era um dos maiores críticos do sentimento dominante na Alemanha do pós-Guerra de esquecer - e esconder - o passado nazista. Era ele, no entanto, quem não admitia os erros do passado. Característica da esquerda, a contradição entre o falar e o fazer. Atirar pedras e ter telhado de vidro. Aqueles que criticam o "sistema" são os que mais lucram com ele.

Olimpo da imprensa que se pretende imparcial e acrítica, a British Broadcasting Corporation, não obstante uma história de excessos e imprudências em nome de uma verdade, tenta na justiça impedir a divulgação do Relatório Alen. Apesar de determinação legal que exige que a emissora libere informações sobre si própria, a BBC teme que o documento, que contém críticas à cobertura realizada no Oriente Médio, cause danos à imagem da empresa.

Ainda nos anos 1950 Sir Winston Churchill acusava a emissora de estar infiltrada de "comunistas". Em 50 anos as coisas mudaram, e ficaram piores. A BBC não mais se preocupa em mascarar sua parcialidade. A boa notícia é que os britânicos estão ficando mais sensíveis a isso.

Em 2002 a primeira grande controvérsia. Em março daquele ano morria a centenária Rainha Mãe, Elizabeth Bowes-Lyon. Poucas horas depois do anúncio, a BBC levava ao ar comentaristas que decretavam o fim da Monarquia, aludindo à "apatia" com que os britânicos reagiram ante o passamento de um royal - um membro da realeza. Não demoraria muito para que a rede fosse surpreendida com filas de pessoas que esperavam até 18 horas para assinar livros de condolências. No dia do funeral da "mulher mais perigosa da Europa", na visão de Adolf Hitler, os quase 40 quilômetros que ligam a Abadia de Westminster ao Palácio de Windsor estavam ocupados pelas milhões de pessoas que assistiram ao cortejo. O apoio à Monarquia atingiu 92% naqueles dias.

A estatal teve que lidar ainda com um sem-número de reclamações sobre a maneira "insensível" com que o funeral da Rainha-Mãe foi tratado. Entre os maiores protestos, a ausência de gravatas pretas pelos âncoras que acompanharam a cerimônia e a decisão de manter a programação original ao invés de exibir programas especiais, como fizeram as emissoras comerciais.

Ainda em 2002 seria publicado um memorando interno que ameaçava com demissão quem não adotasse uma postura crítica - leia-se negativa - sobre a Família Real e a Monarquia durante a cobertura do Jubileu de Ouro de Elizabeth II. Ao mesmo tempo, foi extinta a função de Royal Correspondent.

Em 2003, já durante a Guerra do Iraque, um outro escândalo repercutiu ainda mais. David Kelly, funcionário do Ministério da Defesa britânico, participou da elaboração de um dossiê sobre as famigeradas armas de destruição em massa de Saddam Hussein. Em maio, encontrou-se com Andrew Gilligan, jornalista que escrevia sobre a guerra, e Dr Kelly concordou em dar uma declaração com a condição de garantia de anonimato. Ele não acreditava que o Iraque possuísse as armas, e censurava o documento governamental que serviu de base para a defesa do envolvimento do British Army no conflito.

Quando a entrevista foi ao ar, Dr Kelly estranhou que na reportagem seu depoimento tivesse sido distorcido. O Governo britânico pressionou e o cientista foi chamado a depor numa comissão da Câmara dos Comuns. Durante a audiência, Dr Kelly foi questionado sobre sua participação em outro programa, Newsnight, que apresentou reportagem com conteúdo semelhante. Soube-se depois que foi o próprio Mr Gilligan quem saiu com a história de que David Kelly era a fonte dos dois programas. Dr Kelly cometeu suicídio em 17 de julho.

A "irresponsabilidade" da BBC foi denunciada com estrondo pela imprensa britânica por algum tempo. Depois da renúncia do Presidente e do Diretor-Geral da empresa, o Governo anunciava planos para evitar que situações como essas fossem repetidas no futuro. Mas houve casos como o do centro-esquerdista The Independent, que perguntava: "se não podemos confiar na BBC, em quem poderemos?".

Em 2004 o anti-Israelismo traduziu-se na promoção do moribundo líder Yasser Arafat. No ápice da fantasia, a correspondente Barbara Plett revelou que chorou quando o egípcio partiu em direção a Paris. "Yet when the helicopter carrying the frail old man rose above his ruined compound, I started to cry... without warning".

Em 2005 o portal virtual da empresa deixou de reproduzir as capas dos principais jornais do país. Curiosamente, isso ocorreu depois que muitos deles passaram a colocar críticas à BBC nas manchetes. Eles continuam, entretanto, a analisar as edições diárias desses jornais.

A partir desse ano, no entanto, as denúncias de facciosismo começaram a vir de dentro da própria emissora. Em janeiro, o editor Jeff Randall acabara de ser contratado pelo conservador The Daily Telegraph quando concedeu entrevista ao semanário esquerdista The Observer, onde relatava o ambiente sectário dominante entre os funcionários. Segundo ele, o então Diretor-Geral Greg Dyke, aquele que renunciou depois do incidente David Kelly, disse-lhe para ser "um agente da mudança".

Há determinadas questões que a BBC considera verdades fundamentais. Eles atéatacam ministro trabalhistas, mas apenas quando não são esquerdistas o suficiente. Quando convidavam alguém para falar contra a imigração, era um nazista com uma tatuagem no rosto com a aparência de alguém que acabara de arrancar a dentadas a cabeça de um gato.

Em setembro, Robert Aitken, que trabalhou por 25 anos na BBC Radio e prepara um livro sobre o partidarismo presente nas notícias e programas da emissora, o que ele chamou de "esquerdismo institucionalizado", em entrevista a um blogue, comentou sobre o 'BBC Man':

Provavelmente será alguém com diploma em Artes e totalmente comprometido com a agenda progressista - anti-racista, internacionalista, cético em relação ao
conservadorismo moral, defensor do aumento de gastos públicos e do multiculturalismo. Há questões sobre a atual moralidade britânica, e o debate sobre o multiculturalismo só passou a ser "legítimo" quando passou a ser discutido pela esquerda.


Mas foi no domingo que um relatório de uma reunião secreta convocada pelo Presidente Michal Grade para discutir a imparcialidade da cobertura da emissora foi divulgado pelo conservador Mail on Sunday. Eles admitem que a emissora está "dominada por homossexuais e minorias étnicas, promovendo o multiculturalismo, é anti-americana, anti-interiorana, e mais sensível aos sentimentos dos muçulmanos que dos cristãos".

Ali estava escrito que os diretores permitiriam que programas de humor atirassem uma Bíblia e uma gravura do Arcebispo de Canterbury, Chefe da Igreja Anglicana, em uma privada, mas nunca o Corão. A BBC também quer apresentadoras muçulmanas vestindo véus para apresentar programas. Ao mesmo tempo, houve duras críticas à âncora Fiona Bruce, que foi ao ar com um crucifixo no pescoço.

Uma taxa de £11 é cobrada mensalmente dos donos de tevê no Reino Unido para financiar a British Broadcasting Corporation - também chamada satricamente de Biased Broadcasting Corporation e Baghdad Broadcasting Corporation -, o que lhe garante um orçamento superior a £4 bilhões anuais, algo como 16 bilhões de reais - todo o patrimônio líquido do BNDES. E já avisou aos pagadores de impostos que precisa de mais.

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

Obituário: Ralph Harris

Foi anunciada ontem a morte, causada por parada cardíaca, de Ralph Harris, um dos fundadores do Institute of Economic Affairs (IEA), do qual foi diretor por 30 anos. Considerado um dos arquitetos do Thatcherismo, enquanto advogava pelo livre comércio e o liberalismo econômico, criticava os projetos de união monetária da União Européia. Nos últimos anos foi presidente de uma organização que defende os interesses dos fumantes contra as proibições que têm sido levantadas à prática. Durante o governo de Margareth Thatcher foi nomeado Barão Harris de High Cross.

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

O fim...

Acabou...

L'ami du peuple

Minas Gerais, 15 de outubro de 2006


No Piauí, membros do Comitê da Juventude pró-Lula queimam mais de uma centena de exemplares da revista Veja. O estudante Nairo Victor, após frisar que as entidades participantes da manifestação defendem a liberdade de expressão, justificou a atitude alegando que a publicação da Editora Abril promove "marketing pró-Alckmin".

O caso lembrou-me um episódio da Guerra Civil Espanhola, quando em 1936 os comunistas republicanos ocuparam a sede do jornal conservador Diario ABC. O periódico, referência da direita espanhola, não se encaixava no papel reservado pela esquerda à imprensa. Acreditavam - e acreditam - que a mídia tem por obrigação o cumprimento de sua função social de serviço público. Em Cuba, por exemplo, isso significa promover a verdade - a única verdade, revolucionário-marxista. Desta forma, os jornais devem exprimir um único ponto de vista. Acertadamente, o Camarada-Chefe permite a circulação de um único jornal - o Granma. Muitos jornais, afirmou, são desperdício de papel.

O Governo petista tentou por várias vezes revolucionar a imprensa. As tentativas que mais repercutiram, a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual e o Conselho Federal de Jornalismo, foram abandonadas depois de forte oposição dos meios de comunicação. É bom lembrar, no entanto, que houve quem defendesse as resoluções petistas.

Para a revista CartaCapital os projetos foram "bombardeados" por contrariar os interesses econômicos das empresas de mídia. A imprensa, burguesa, não é mais do que porta-voz dos mais poderosos grupos econômicos, seja por submissão, seja por bajulação. Naturalmente, esses grupos são tucanos. Os carta-capitalistas, no entanto, estão imunes às pressões dos porcos capitalistas. Principalmente porque viram aumentar dez vezes a publicidade governamental nos primeiros anos de governo petista.

Para os estrategistas do Palácio do Planalto a derrota do Presidente no primeiro turno está relacionada ao escândalo da compra do dossiê. Não o 1,7 milhão de reais de origem duvidosa, não o envolvimento de petistas em práticas, no mínimo, reprováveis, não a comprovação do desprezo do Partido dos Trabalhadores pelo exercício da democracia. O que atrapalhou foi a cobertura "exagerada" feita pela imprensa, em especial, a Rede Globo de Televisão, o mau encarnado.

Poderia ser mais uma invencionice, um disparate ideológico como muitos que o petismo produziu ao longo das décadas, e que se tornaram mais freqüentes nos períodos mais tensos da campanha eleitoral. Os lulistas poderão, no entanto, empunhar orgulhosos, como bíblias, a recente edição da mesma CartaCapital, para quem Alckmin é um "populista de direita".

Nesta semana a independente denuncia, vestida de Catão, um complô midiático organizado com o intuito de prejudicar a campanha de Luiz Inácio e o Partido dos Trabalhadores. Fazem parte desse conluio a Folha de S. Paulo, o Estado de S. Paulo, O Globo, e a Rede Globo de Televisão. De acordo com a matéria publicada, "a mídia, em especial a Globo, omitiu informações cruciais na divulgação do dossiê e contribuiu para levar a disputa ao 2º turno". Escandalizada, a revista informa que o carro da TV Globo "pára entre duas outras equipes de tevê: uma da propaganda eleitoral de Geraldo Alckmin e outra da de José Serra" em frente ao prédio da Polícia Federal onde estavam presos Gedimar Passos e Valdebran Padilha. Como diria Tutty Vasquez, "essas coisas a oposição não vê".

Sempre haverá jornalistas dispostos a ceder a consciência em nome da revolução. Adolf Hitler também tinha os seus - Harold Sidney Harmsworth, do Daily Mail, era seu favorito. É triste, no entanto, perceber que em matéria de democracia, muitos jornalistas deixam o papel de quarto poder para assumir a função de quinta coluna.

Kyrie Eleison.

Post scriptum: esse post já estava escrito quando Cláudio Humberto, que segundo os carta-capitalistas "tem uma coluna de fofocas e escândalos na internet", informar que

O governo Lula pretende retaliar empresas de comunicação e jornalistas, inconformado com a cobertura “exagerada” dos escândalos de corrupção. A retaliação conta com a vitória de Lula e, já em 2007, prevê corte drástico nas verbas para propaganda, hoje estimadas em R$ 1,2 bilhão, sem contar os gastos de estatais como a Petrobras e bancos oficiais. “Se a direita quer corte nas despesas, vai ter”, ameaça um dos ministros mais ligados a Lula.


Democratia delenda est.

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

A look behind the curtain of repression and isolation

Tim Kearns escreve no The Daily Telegraph sobre o período em que viveu na Coréia do Norte.

Mais um no clube.

Minas Gerais, 11 de outubro de 2006


Na próxima sexta-feira o Comitê Norueguês anunciará o vencedor do Prêmio Nobel da Paz. Ano passado os laureados foram a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), e seu Diretor-Geral, o egípcio Mohamed ElBaradei, por "seus esforços na prevenção do uso da energia nuclear para fins militares e para que a energia atômica seja usada para fins pacíficos, da forma mais segura possível".

Sidi ElBaradei assumiu a AIEA em dezembro de 1997. Àquela época, já havia suspeitas sobre as ambições nucleares da Coréia do Norte. O país, depois de ensaiar colaboração com os agentes, passou a proibir inspeções no país, e já era sabido que começara a produzir plutônio. Nove meses depois de assumir, vê os coreanos lançarem um míssil sobre o Japão.

Em outubro de 2002 Pyongyang admite ter um programa secreto de fabricação de armas nucleares. Os Estados Unidos assumem uma postura mais agressiva em relação à situação. Em janeiro do ano seguinte, a AIEA determina que a Coréia do Norte permita inspeções e abandone seu programa nuclear, ameaçando sanções por parte do Conselho de Segurança. Dias depois, o país abandona o Tratado de Não-Ploriferação de Armas Nucleares. O Presidente George W. Bush, no Discurso sobre o Estado da União, refere-se ao regime norte-coreano como "opressivo", cujos cidadãos "vivem entre o medo e a miséria". O país replica chamando Mr Bush de "charlatão sem-vergonha".

Em fevereiro a Coréia do Norte ameaça atacar tropas americanas. Lança outro míssil no mar, entre a Coréia do Sul e o Japão. Outro míssil é lançado em março. A China passa a liderar as negociações. Em abril o país anuncia ter armas nucleares, e culpa os Estados Unidos pelas hostilidades. O Japão e a Rússia passam a fazer parte das discussões diplomáticas.

Um ano depois, em maio, a AIEA começa a investigar o envio de urânio da Coréia do Norte para a Líbia. Em junho Washington oferece ajuda financeira em troca do fim do programa nuclear coreano. Em agosto os comunistas abandonam as negociações, argumentando que os Estados Unidos "não estavam interessados" em uma solução. O Presidente americano é descrito como "imbecil" e um "tirano que coloca Hitler no chão". Em setembro, nas Nações Unidas, o vice-Ministro do Exterior norte-coreano alega que as armas nucleares são necessárias para "defesa" contra a "ameaça nuclear americana".

Em 1º de maio de 2005, na véspera de uma reunião dos signatários do Tratado de Não-Ploriferação de Armas Nucleares, a Coréia do Norte provoca ao lançar um míssil no Mar do Japão. Dias depois, as Coréias do Sul e do Norte voltam a negociar, com esta apresentando pedidos de fertilizante e alimentos. Em julho, Seul oferece energia em troca do fim das pesquisas nucleares ao norte. As negociações recomeçam.

Em setembro, a Coréia do Norte, em troca da garantia de que não serão atacados pelos EUA, concorda em acabar com seu programa nuclear. No dia seguinte, volta atrás e exige primeiro um reator nuclear civil. Em dezembro Pyongyang volta a abandonar as negociações.

Essa retrospectiva é necessária, primeiro para facilitar a compreensão daquele que está lendo, e segundo para derrubar alguns mitos que inevitavelmente aparecerão. O primeiro mito, na verdade, já se estabeleceu: a Agência Internacional de Energia Atômica, Mohamed ElBaradei à frente, nunca foi eficiente na "prevenção do uso da energia nuclear para fins militares", como afirmou o Comitê Norueguês do Nobel. Durante sua gestão, além da Coréia do Norte, o Irã também desafia a comunidade internacional - A bomba dos aiatolás, em 5 de março, neste blogue. Em todo caso, Kofi Annan também ganhou seu Nobel por "seus esforços para construir um mundo mais pacífico e melhor organizado", ainda que em seu mandato tenham ocorrido os genocídios dos curdos, dos hutus, e dos negros do Sudão.

O segundo, que não tardará a ser ouvido, responsabilizará os Estados Unidos pela agressividade dos norte-coreanos. A invasão do Afeganistão e do Iraque, dirá algum comentarista, ao contrário das expectativas de Washington, acabou por forçar países como o Irã, a Síria e a Coréia do Norte a fortalecer seus exércitos, temendo uma invasão dos falcões imperialistas. Comentaristas como este esquecerão a Líbia, que procura desesperadamente ficar às boas com a comunidade internacional, e os dez anos de conversas diplomáticas com a Coréia do Norte, com Madeleina Albright indo a Pyongyang apertar as mãos sujas de sangue de Kim Jong-Il. O negociador iraniano Hassan Rowhani gaba-se de ter enrolado os europeus enquanto ganhava tempo para desenvolver seu complexo nuclear. "Os americanos continuavam a dizer aos europeus, 'os iranianos estão mentindo e não lhes contaram toda a verdade'. Os europeus diziam 'nós confiamos neles'."

Outro comentarista talvez lembre que a China sempre protegeu a Coréia do Norte de sanções no Conselho de Segurança. Assim como a Rússia protege o Irã e o Brasil protege Cuba e o Sudão. Ele provavelmente alegará que a China age em nome de uma solidariedade comunista. Como se os chineses enviassem aviões para Cuba em caso de uma invasão.

A China não é um país comunista. É uma ditadura que comanda um poderoso estado de bem-estar social. A defesa da Coréia do Norte tem razões estratégicas. Pequim não que lidar com refugiados de guerra em suas fronteiras. A consideração, no entanto, deve mudar. Os chineses sentem-se traídos por terem sido avisados dos testes apenas 20 minutos antes deles acontecerem. Aprenderam que é ingenuidade confiar em uma ditadura. Talvez sintam-se como Stalin ao ver as tropas nazistas atravessando a fronteira soviética.

Kim Jong-Il, apesar da imagem caricatural atribuída pelo Ocidente, com seus cabelos espetados, sapatos de salto e pijama militar, é um homem inteligente. Sabe que não há ditadura de um só ditador. Por isso, faz questão de bajular seus generais destinando 80% do orçamento do país às forças armadas. A bomba nuclear não está endereçada ao público externo, mas ao consumo dos impacientes ao seu redor.

A situação da Coréia do Norte é bem mais complicada do que a do Iraque ou do Afeganistão - e os americanos sabem disso. Nunca cogitaram invadir aquele país. Não bastassem os 1,1 milhão de soldados e quase 50% da população na reserva, Seul está a menos de 200 quilômetros da fronteira desmilitarizada, e seria varrida em questão de horas.

Uma ação militar é impossível. Uma reação é necessária. Sanções econômicas rigorosas devem ser implementadas. Mas como lembra Con Coughlin no The Daily Telegraph, o Ocidente acordou tarde demais.