Na próxima sexta-feira o Comitê Norueguês anunciará o vencedor do Prêmio Nobel da Paz. Ano passado os laureados foram a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), e seu Diretor-Geral, o egípcio Mohamed ElBaradei, por "seus esforços na prevenção do uso da energia nuclear para fins militares e para que a energia atômica seja usada para fins pacíficos, da forma mais segura possível".
Sidi ElBaradei assumiu a AIEA em dezembro de 1997. Àquela época, já havia suspeitas sobre as ambições nucleares da Coréia do Norte. O país, depois de ensaiar colaboração com os agentes, passou a proibir inspeções no país, e já era sabido que começara a produzir plutônio. Nove meses depois de assumir, vê os coreanos lançarem um míssil sobre o Japão.
Em outubro de 2002 Pyongyang admite ter um programa secreto de fabricação de armas nucleares. Os Estados Unidos assumem uma postura mais agressiva em relação à situação. Em janeiro do ano seguinte, a AIEA determina que a Coréia do Norte permita inspeções e abandone seu programa nuclear, ameaçando sanções por parte do Conselho de Segurança. Dias depois, o país abandona o Tratado de Não-Ploriferação de Armas Nucleares. O Presidente George W. Bush, no Discurso sobre o Estado da União, refere-se ao regime norte-coreano como "opressivo", cujos cidadãos "vivem entre o medo e a miséria". O país replica chamando Mr Bush de "charlatão sem-vergonha".
Em fevereiro a Coréia do Norte ameaça atacar tropas americanas. Lança outro míssil no mar, entre a Coréia do Sul e o Japão. Outro míssil é lançado em março. A China passa a liderar as negociações. Em abril o país anuncia ter armas nucleares, e culpa os Estados Unidos pelas hostilidades. O Japão e a Rússia passam a fazer parte das discussões diplomáticas.
Um ano depois, em maio, a AIEA começa a investigar o envio de urânio da Coréia do Norte para a Líbia. Em junho Washington oferece ajuda financeira em troca do fim do programa nuclear coreano. Em agosto os comunistas abandonam as negociações, argumentando que os Estados Unidos "não estavam interessados" em uma solução. O Presidente americano é descrito como "imbecil" e um "tirano que coloca Hitler no chão". Em setembro, nas Nações Unidas, o vice-Ministro do Exterior norte-coreano alega que as armas nucleares são necessárias para "defesa" contra a "ameaça nuclear americana".
Em 1º de maio de 2005, na véspera de uma reunião dos signatários do Tratado de Não-Ploriferação de Armas Nucleares, a Coréia do Norte provoca ao lançar um míssil no Mar do Japão. Dias depois, as Coréias do Sul e do Norte voltam a negociar, com esta apresentando pedidos de fertilizante e alimentos. Em julho, Seul oferece energia em troca do fim das pesquisas nucleares ao norte. As negociações recomeçam.
Em setembro, a Coréia do Norte, em troca da garantia de que não serão atacados pelos EUA, concorda em acabar com seu programa nuclear. No dia seguinte, volta atrás e exige primeiro um reator nuclear civil. Em dezembro Pyongyang volta a abandonar as negociações.
Essa retrospectiva é necessária, primeiro para facilitar a compreensão daquele que está lendo, e segundo para derrubar alguns mitos que inevitavelmente aparecerão. O primeiro mito, na verdade, já se estabeleceu: a Agência Internacional de Energia Atômica, Mohamed ElBaradei à frente, nunca foi eficiente na "prevenção do uso da energia nuclear para fins militares", como afirmou o Comitê Norueguês do Nobel. Durante sua gestão, além da Coréia do Norte, o Irã também desafia a comunidade internacional - A bomba dos aiatolás, em 5 de março, neste blogue. Em todo caso, Kofi Annan também ganhou seu Nobel por "seus esforços para construir um mundo mais pacífico e melhor organizado", ainda que em seu mandato tenham ocorrido os genocídios dos curdos, dos hutus, e dos negros do Sudão.
O segundo, que não tardará a ser ouvido, responsabilizará os Estados Unidos pela agressividade dos norte-coreanos. A invasão do Afeganistão e do Iraque, dirá algum comentarista, ao contrário das expectativas de Washington, acabou por forçar países como o Irã, a Síria e a Coréia do Norte a fortalecer seus exércitos, temendo uma invasão dos falcões imperialistas. Comentaristas como este esquecerão a Líbia, que procura desesperadamente ficar às boas com a comunidade internacional, e os dez anos de conversas diplomáticas com a Coréia do Norte, com Madeleina Albright indo a Pyongyang apertar as mãos sujas de sangue de Kim Jong-Il. O negociador iraniano Hassan Rowhani gaba-se de ter enrolado os europeus enquanto ganhava tempo para desenvolver seu complexo nuclear. "Os americanos continuavam a dizer aos europeus, 'os iranianos estão mentindo e não lhes contaram toda a verdade'. Os europeus diziam 'nós confiamos neles'."
Outro comentarista talvez lembre que a China sempre protegeu a Coréia do Norte de sanções no Conselho de Segurança. Assim como a Rússia protege o Irã e o Brasil protege Cuba e o Sudão. Ele provavelmente alegará que a China age em nome de uma solidariedade comunista. Como se os chineses enviassem aviões para Cuba em caso de uma invasão.
A China não é um país comunista. É uma ditadura que comanda um poderoso estado de bem-estar social. A defesa da Coréia do Norte tem razões estratégicas. Pequim não que lidar com refugiados de guerra em suas fronteiras. A consideração, no entanto, deve mudar. Os chineses sentem-se traídos por terem sido avisados dos testes apenas 20 minutos antes deles acontecerem. Aprenderam que é ingenuidade confiar em uma ditadura. Talvez sintam-se como Stalin ao ver as tropas nazistas atravessando a fronteira soviética.
Kim Jong-Il, apesar da imagem caricatural atribuída pelo Ocidente, com seus cabelos espetados, sapatos de salto e pijama militar, é um homem inteligente. Sabe que não há ditadura de um só ditador. Por isso, faz questão de bajular seus generais destinando 80% do orçamento do país às forças armadas. A bomba nuclear não está endereçada ao público externo, mas ao consumo dos impacientes ao seu redor.
A situação da Coréia do Norte é bem mais complicada do que a do Iraque ou do Afeganistão - e os americanos sabem disso. Nunca cogitaram invadir aquele país. Não bastassem os 1,1 milhão de soldados e quase 50% da população na reserva, Seul está a menos de 200 quilômetros da fronteira desmilitarizada, e seria varrida em questão de horas.
Uma ação militar é impossível. Uma reação é necessária. Sanções econômicas rigorosas devem ser implementadas. Mas como lembra Con Coughlin no The Daily Telegraph, o Ocidente acordou tarde demais.
Sidi ElBaradei assumiu a AIEA em dezembro de 1997. Àquela época, já havia suspeitas sobre as ambições nucleares da Coréia do Norte. O país, depois de ensaiar colaboração com os agentes, passou a proibir inspeções no país, e já era sabido que começara a produzir plutônio. Nove meses depois de assumir, vê os coreanos lançarem um míssil sobre o Japão.
Em outubro de 2002 Pyongyang admite ter um programa secreto de fabricação de armas nucleares. Os Estados Unidos assumem uma postura mais agressiva em relação à situação. Em janeiro do ano seguinte, a AIEA determina que a Coréia do Norte permita inspeções e abandone seu programa nuclear, ameaçando sanções por parte do Conselho de Segurança. Dias depois, o país abandona o Tratado de Não-Ploriferação de Armas Nucleares. O Presidente George W. Bush, no Discurso sobre o Estado da União, refere-se ao regime norte-coreano como "opressivo", cujos cidadãos "vivem entre o medo e a miséria". O país replica chamando Mr Bush de "charlatão sem-vergonha".
Em fevereiro a Coréia do Norte ameaça atacar tropas americanas. Lança outro míssil no mar, entre a Coréia do Sul e o Japão. Outro míssil é lançado em março. A China passa a liderar as negociações. Em abril o país anuncia ter armas nucleares, e culpa os Estados Unidos pelas hostilidades. O Japão e a Rússia passam a fazer parte das discussões diplomáticas.
Um ano depois, em maio, a AIEA começa a investigar o envio de urânio da Coréia do Norte para a Líbia. Em junho Washington oferece ajuda financeira em troca do fim do programa nuclear coreano. Em agosto os comunistas abandonam as negociações, argumentando que os Estados Unidos "não estavam interessados" em uma solução. O Presidente americano é descrito como "imbecil" e um "tirano que coloca Hitler no chão". Em setembro, nas Nações Unidas, o vice-Ministro do Exterior norte-coreano alega que as armas nucleares são necessárias para "defesa" contra a "ameaça nuclear americana".
Em 1º de maio de 2005, na véspera de uma reunião dos signatários do Tratado de Não-Ploriferação de Armas Nucleares, a Coréia do Norte provoca ao lançar um míssil no Mar do Japão. Dias depois, as Coréias do Sul e do Norte voltam a negociar, com esta apresentando pedidos de fertilizante e alimentos. Em julho, Seul oferece energia em troca do fim das pesquisas nucleares ao norte. As negociações recomeçam.
Em setembro, a Coréia do Norte, em troca da garantia de que não serão atacados pelos EUA, concorda em acabar com seu programa nuclear. No dia seguinte, volta atrás e exige primeiro um reator nuclear civil. Em dezembro Pyongyang volta a abandonar as negociações.
Essa retrospectiva é necessária, primeiro para facilitar a compreensão daquele que está lendo, e segundo para derrubar alguns mitos que inevitavelmente aparecerão. O primeiro mito, na verdade, já se estabeleceu: a Agência Internacional de Energia Atômica, Mohamed ElBaradei à frente, nunca foi eficiente na "prevenção do uso da energia nuclear para fins militares", como afirmou o Comitê Norueguês do Nobel. Durante sua gestão, além da Coréia do Norte, o Irã também desafia a comunidade internacional - A bomba dos aiatolás, em 5 de março, neste blogue. Em todo caso, Kofi Annan também ganhou seu Nobel por "seus esforços para construir um mundo mais pacífico e melhor organizado", ainda que em seu mandato tenham ocorrido os genocídios dos curdos, dos hutus, e dos negros do Sudão.
O segundo, que não tardará a ser ouvido, responsabilizará os Estados Unidos pela agressividade dos norte-coreanos. A invasão do Afeganistão e do Iraque, dirá algum comentarista, ao contrário das expectativas de Washington, acabou por forçar países como o Irã, a Síria e a Coréia do Norte a fortalecer seus exércitos, temendo uma invasão dos falcões imperialistas. Comentaristas como este esquecerão a Líbia, que procura desesperadamente ficar às boas com a comunidade internacional, e os dez anos de conversas diplomáticas com a Coréia do Norte, com Madeleina Albright indo a Pyongyang apertar as mãos sujas de sangue de Kim Jong-Il. O negociador iraniano Hassan Rowhani gaba-se de ter enrolado os europeus enquanto ganhava tempo para desenvolver seu complexo nuclear. "Os americanos continuavam a dizer aos europeus, 'os iranianos estão mentindo e não lhes contaram toda a verdade'. Os europeus diziam 'nós confiamos neles'."
Outro comentarista talvez lembre que a China sempre protegeu a Coréia do Norte de sanções no Conselho de Segurança. Assim como a Rússia protege o Irã e o Brasil protege Cuba e o Sudão. Ele provavelmente alegará que a China age em nome de uma solidariedade comunista. Como se os chineses enviassem aviões para Cuba em caso de uma invasão.
A China não é um país comunista. É uma ditadura que comanda um poderoso estado de bem-estar social. A defesa da Coréia do Norte tem razões estratégicas. Pequim não que lidar com refugiados de guerra em suas fronteiras. A consideração, no entanto, deve mudar. Os chineses sentem-se traídos por terem sido avisados dos testes apenas 20 minutos antes deles acontecerem. Aprenderam que é ingenuidade confiar em uma ditadura. Talvez sintam-se como Stalin ao ver as tropas nazistas atravessando a fronteira soviética.
Kim Jong-Il, apesar da imagem caricatural atribuída pelo Ocidente, com seus cabelos espetados, sapatos de salto e pijama militar, é um homem inteligente. Sabe que não há ditadura de um só ditador. Por isso, faz questão de bajular seus generais destinando 80% do orçamento do país às forças armadas. A bomba nuclear não está endereçada ao público externo, mas ao consumo dos impacientes ao seu redor.
A situação da Coréia do Norte é bem mais complicada do que a do Iraque ou do Afeganistão - e os americanos sabem disso. Nunca cogitaram invadir aquele país. Não bastassem os 1,1 milhão de soldados e quase 50% da população na reserva, Seul está a menos de 200 quilômetros da fronteira desmilitarizada, e seria varrida em questão de horas.
Uma ação militar é impossível. Uma reação é necessária. Sanções econômicas rigorosas devem ser implementadas. Mas como lembra Con Coughlin no The Daily Telegraph, o Ocidente acordou tarde demais.
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