Gilles Gomes de Araújo Ferreira

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

L'ami du peuple

Minas Gerais, 15 de outubro de 2006


No Piauí, membros do Comitê da Juventude pró-Lula queimam mais de uma centena de exemplares da revista Veja. O estudante Nairo Victor, após frisar que as entidades participantes da manifestação defendem a liberdade de expressão, justificou a atitude alegando que a publicação da Editora Abril promove "marketing pró-Alckmin".

O caso lembrou-me um episódio da Guerra Civil Espanhola, quando em 1936 os comunistas republicanos ocuparam a sede do jornal conservador Diario ABC. O periódico, referência da direita espanhola, não se encaixava no papel reservado pela esquerda à imprensa. Acreditavam - e acreditam - que a mídia tem por obrigação o cumprimento de sua função social de serviço público. Em Cuba, por exemplo, isso significa promover a verdade - a única verdade, revolucionário-marxista. Desta forma, os jornais devem exprimir um único ponto de vista. Acertadamente, o Camarada-Chefe permite a circulação de um único jornal - o Granma. Muitos jornais, afirmou, são desperdício de papel.

O Governo petista tentou por várias vezes revolucionar a imprensa. As tentativas que mais repercutiram, a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual e o Conselho Federal de Jornalismo, foram abandonadas depois de forte oposição dos meios de comunicação. É bom lembrar, no entanto, que houve quem defendesse as resoluções petistas.

Para a revista CartaCapital os projetos foram "bombardeados" por contrariar os interesses econômicos das empresas de mídia. A imprensa, burguesa, não é mais do que porta-voz dos mais poderosos grupos econômicos, seja por submissão, seja por bajulação. Naturalmente, esses grupos são tucanos. Os carta-capitalistas, no entanto, estão imunes às pressões dos porcos capitalistas. Principalmente porque viram aumentar dez vezes a publicidade governamental nos primeiros anos de governo petista.

Para os estrategistas do Palácio do Planalto a derrota do Presidente no primeiro turno está relacionada ao escândalo da compra do dossiê. Não o 1,7 milhão de reais de origem duvidosa, não o envolvimento de petistas em práticas, no mínimo, reprováveis, não a comprovação do desprezo do Partido dos Trabalhadores pelo exercício da democracia. O que atrapalhou foi a cobertura "exagerada" feita pela imprensa, em especial, a Rede Globo de Televisão, o mau encarnado.

Poderia ser mais uma invencionice, um disparate ideológico como muitos que o petismo produziu ao longo das décadas, e que se tornaram mais freqüentes nos períodos mais tensos da campanha eleitoral. Os lulistas poderão, no entanto, empunhar orgulhosos, como bíblias, a recente edição da mesma CartaCapital, para quem Alckmin é um "populista de direita".

Nesta semana a independente denuncia, vestida de Catão, um complô midiático organizado com o intuito de prejudicar a campanha de Luiz Inácio e o Partido dos Trabalhadores. Fazem parte desse conluio a Folha de S. Paulo, o Estado de S. Paulo, O Globo, e a Rede Globo de Televisão. De acordo com a matéria publicada, "a mídia, em especial a Globo, omitiu informações cruciais na divulgação do dossiê e contribuiu para levar a disputa ao 2º turno". Escandalizada, a revista informa que o carro da TV Globo "pára entre duas outras equipes de tevê: uma da propaganda eleitoral de Geraldo Alckmin e outra da de José Serra" em frente ao prédio da Polícia Federal onde estavam presos Gedimar Passos e Valdebran Padilha. Como diria Tutty Vasquez, "essas coisas a oposição não vê".

Sempre haverá jornalistas dispostos a ceder a consciência em nome da revolução. Adolf Hitler também tinha os seus - Harold Sidney Harmsworth, do Daily Mail, era seu favorito. É triste, no entanto, perceber que em matéria de democracia, muitos jornalistas deixam o papel de quarto poder para assumir a função de quinta coluna.

Kyrie Eleison.

Post scriptum: esse post já estava escrito quando Cláudio Humberto, que segundo os carta-capitalistas "tem uma coluna de fofocas e escândalos na internet", informar que

O governo Lula pretende retaliar empresas de comunicação e jornalistas, inconformado com a cobertura “exagerada” dos escândalos de corrupção. A retaliação conta com a vitória de Lula e, já em 2007, prevê corte drástico nas verbas para propaganda, hoje estimadas em R$ 1,2 bilhão, sem contar os gastos de estatais como a Petrobras e bancos oficiais. “Se a direita quer corte nas despesas, vai ter”, ameaça um dos ministros mais ligados a Lula.


Democratia delenda est.

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