Gilles Gomes de Araújo Ferreira

sábado, 28 de abril de 2007

Um fato, duas versões

As 32 vítimas de Cho Seung-Hui ainda não descansavam sob a terra, mas a Internacional Jornalística já deixava claro que não perderia a oportunidade de praticar seu passatempo favorito: os joguinhos de tribunal. Quando convém, os modeladores de opinião tiram das gavetas um roteiro escrito e repetido há décadas, fazendo neles pouquíssimas alterações – afinal de contas, os réus são sempre os mesmos.

No caso do Massacre de Blacksburg, o primeiro e mais previsível culpado foi o direito a comprar e portar armas de fogo. O pensamento vulgar é o de que se Cho Seung-Hui não tivesse armas, ele não teria assassinado dezenas de pessoas.

O politicamente correto não é mais do que umas poucas afirmações prontas e acabadas, e é justamente por isso que seduz tantos. Seu simplismo torna desnecessária uma reflexão pensada sobre qualquer assunto. Os liberais-liberais que gritam “sem armas, sem mortes” são o melhor exemplo a ser aplicado aqui. Se se dedicassem a pensar, perceberiam que o mesmo princípio pode servir a causas não tão politicamente corretas. Se não houvessem imigrantes nos Estados Unidos, por exemplo, não haveria Cho Seung-Hui, e não haveria 32 mortos.

Da mesma forma que Jean-Paul Sartre pedia aos seus que mentissem sobre os crimes soviéticos para não desestimular os comunistas franceses, muitos foram os jornais que aderiram à causa dos colaboracionistas sem qualquer preocupação com a coerência. No dia seguinte ao massacre, o The New York Times trazia editorial pedindo mais uma lei restringindo o porte de armas. E nem mesmo um jornal que construiu uma reputação de sobriedade ao longo de séculos, como o The Times, escapou à tentação do discurso fácil. O que poucos jornais publicaram é que sob leis americanas já existentes, Cho Seung-Hui não poderia ter adquirido aquelas armas. O problema, se vê, não é de falta de normas.

Mas, feliz surpresa, um jornal a que nunca dediquei atenção, o Los Angeles Times, escreveu o melhor comentário sobre o acontecido: o massacre “ocasionou uma onda de conclusões apressadas, tomadas de posição instantâneas e o uso de argumentos antigos”.

Outro a se sentar no banco dos réus do tribunal dos eleitos, mas não por isso menos previsível, foi o american way of life. Em entrevista à edição brasileira do Gramna, a CartaCapital, uma psicóloga social contou que, nos sete anos em que viveu nos Estados Unidos, “acostumou-se a, em locais públicos, estar alerta a possíveis atiradores. ‘Lá, isso não é algo inusitado’.” Para a doutora, a raiz de todos os males está na cultura americana:

É algo que permeia o imaginário americano: “Eu elimino meus problemas jogando uma bomba ou atirando”. Também há uma questão política e histórica que não pode ser desprezada. Os EUA são uma sociedade permeada por relações paranóicas.


Em matéria de desvario, no entanto, ninguém venceu o Correio Braziliense:

É traço dominante na cultura norte-americana que a conquista do sucesso a meta principal da vida. (...) Estudos sociais e pesquisas de comportamento há muito difundidos nos meios acadêmicos estadunidenses mostram que a perseguição ao êxito constitui uma das raízes da violência. É que provoca competição acirrada, muitas vezes desbordante da ética, e não raro responsável pelos excessos de conduta. (...)A disposição do Estado norte-americano de buscar pelo uso da força a imposição de seus interesses no plano externo influencia, nos limites internos, atitudes contrárias à urbanidade e à tolerância. (...)Além do senso comum lastreado na competição, pela ânsia de escapar do insucesso, e da prepotência do Estado no tratamento dos desafios externos, o livre porte de armas se junta para formar o sombrio caldo de cultura onde fermenta a violência.


De uma só tacada os editorialistas conseguiram reprovar, além do porte de armas, o capitalismo e o imperialismo. Só faltou escrever que “em Cuba não existem assassinatos em série”.

A tragédia ocorrida em Virginia Tech deixou clara a diferença entre direita e esquerda, no que se refere à conduta humana: a direita acredita na pessoa, no indivíduo, enquanto a esquerda credita as ações deste a circunstâncias externas – o capitalismo, a exploração, a alienação. Para a direita, a explicação para o massacre reside na personalidade psicopata e anti-social de Cho Seung-Hui. Este que planejou o morticínio com semanas de antecedência, se não tivesse armas, encontraria outro meio tão ou mais eficaz para alcançar o efeito desejado. Lembro-me de um estudante de medicina que, há alguns anos, atirou contra a platéia em um cinema de São Paulo. Mais tarde, já preso, ele afirmou que sua primeira intenção era usar uma granada, mas achou que uma metralhadora “teria mais impacto na mídia”.

Para a esquerda, no entanto, o caráter de Cho Seung-Hui é secundário, e a carnificina é responsabilidade primeiro das facilidades de compra de armas em território americano. E em verdade, Cho não era ruim, a cultura e a sociedade americanas o corromperam.

E se esquerda e direita vêem o mesmo problema de maneiras diferentes, a solução que apontam também é diferente. Para a direita, a transformação do indivíduo deve ser particular, introspectiva, valendo-se da religião, da reflexão ou da filosofia. Para a esquerda, no entanto, não há o que mudar no indivíduo, porque ele não é responsável por aquilo que faz, mas no ambiente à sua volta. Os homens são cúpidos e mesquinhos? Ponha abaixo o capitalismo dos gananciosos ou arrume meio de limitá-lo. E só depois hão de chegar à conclusão de que não é só dinheiro o que os homens ambicionam. Começam então a limitar muito mais.

A esquerda ignora que os homens não são iguais, logo não respondem do mesmo modo aos mesmos estímulos. Mas não é só. A triste verdade é que é justamente essa mentalidade que trouxe à luz um facínora.

Não me lembro onde li que existem dois tipos de fracassados: os grandes fracassados, a quem chamamos “mártires”, e os pequenos fracassados, a quem chamam “as vítimas do sistema”. Cho Seung-Hui tinha um “comportamento agressivo”, ateara fogo ao próprio quarto, e seus escritos tinham um misto de obscenidade e violência. Em uma de suas peças, por exemplo, um filho dá marteladas e atira uma serra elétrica no padrasto. Com um perfil como esse, é fácil concluir que Cho não era o mais popular de Blacksburg.

Rejeitou sugestões de pessoas próximas para que procurasse ajuda psiquiátrica. Em sua mente perturbada ele não era o problema, mas as pessoas que se recusavam a aderir à sua realidade doentia.

Não são poucos os que imprimiram um verniz revolucionário às suas derrotas, e Cho Seung-Hui não foge à regra. Uma vez não tendo sucesso, matou 32 pessoas em protesto contra “os meninos ricos”, na tentativa de deixar de ser mera “vítima do sistema” para ascender à condição de “mártir”, como ele mesmo se descrevera.

Enquanto houverem terroristas, genocidas e morticidas venerados como heróis, por qualquer causa que seja, haverá quem queira se juntar a eles.

Um bom argumento

E o Partido dos Trabalhadores, que nunca gostou muito da democracia, começa a produzir bons motivos para desconfiar dela.

terça-feira, 24 de abril de 2007

domingo, 22 de abril de 2007

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Nascimento Real na Dinamarca

Dez dias depois dos holandeses, agora são os dinamarqueses que estão em festa. O Palácio de Amalienborg anunciou neste sábado - 16h02 horário local, 11h02 horário de Brasília - o nascimento do segundo filho - primeira filha - do Príncipe Frederik, herdeiro do milenar trono dinamarquês, e da Princesa Mary Elizabeth.
Pesando 3,35 kg e medindo 50 centímetros, é a primeira princesa a nascer na Família Real Dinamarquesa desde o nascimento da Rainha Anne-Marie da Grécia, irmã caçula da Rainha da Dinamarca, Margrethe II, há 60 anos. É a terceira na linha de sucessão, depois do pai e do irmão mais velho, o Príncipe Christian, e o quarto neto da Rainha.
O anúncio era esperado desde a manhã, quando a Princesa, com a típica discrição nórdica, chegou ao Hospital do Reino de Copenhague. "Foi um parto muito bonito. Tudo foi fantástico", declarou o Príncipe-herdeiro, que assistiu ao parto. Segundo ele, a menina é "uma preciosidade". A parteira-chefe do hospital, Birgitte Hillerup, declarou que a menina tinha " cabelo escuro" e era "encantadora e adorável". O nome da criança não foi revelado, mas especula-se que se chamará Ingrid, em homenagem à Rainha-Mãe, Ingrid da Suécia, falecida em 2000.
Na Dinamarca, as pessoas decoraram os balcões de suas casas com a bandeira nacional, e não faltaram a cerveja e o skol, o tradicional brinde dinamarquês. Hoje ao meio-dia, horário local, o Real Exército Dinamarquês disparou 21 salvas de canhão da Fortaleza de Holmen e do Castelo de Kronborg.

Fonte: Casa Real Dinamarquesa.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Uma lágrima

Nair Bello (1931 - 2007)

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Condenar os fins e os meios

As Nações Unidas denunciaram ontem que os terroristas iraquianos - ou a resistência, como prefere grande parte da esquerda - estão utilizando crianças e adolescentes com deficiências físicas ou mentais em atentados terroristas. Ao contrário de outros documentos publicados pela ONU, este foi pouquíssimo divulgado pela imprensa brasileira, e o trecho que segue foi escrito por Helena Tecedeiro para o jornal português Diário de Notícias:

"O meu pai sempre me disse que eu era um erro e que só trazia problemas e despesas", revelou Barak (nome fictício) à agência de notícias das Nações Unidas. Com outros cinco filhos para criar, o pai deste rapaz de 13 anos não hesitou em vender o filho "diferente" à Al-Qaeda. Agora, Barak é uma das dezenas de crianças iraquianas com deficiências mentais que os rebeldes treinam para combater os americanos e as forças governamentais. Num relatório ontem divulgado, a ONU adianda que a Al- -Qaeda está a usar estas crianças para perpetrar atentados suicidas.

"Não tenho mãe e nunca fui à escola", explicou Barak. Com a Kalashnikov na mão, o rapaz disse à ONU que agora ajuda "homens que dizem pertencer à Al-Qaeda" e "se fizer bem o meu trabalho vou ser um menino saudável". Os combatentes prometeram a Barak que em breve irá juntar-se à mãe no Céu. Para o seu treinador, Abu Ahmed, os rebeldes até lhe estão "a fazer um favor". "Damos-lhe uma hipótese de ser útil. Em breve será um bom combatente e talvez um dia até se torne num bombista suicida, se Deus quiser".

Citado pela IRIN, o porta-voz do Ministério do Interior iraquiano, Khalid Sami, declarou que as duas crianças usadas num atentado a 21 de Março tinham problemas mentais. "Foram colocadas no carro com dois adultos. Os soldados deixaram o veículo passar porque levava menores. Quando chegaram ao mercado, os rebeldes saíram e detonaram a bomba, matando as crianças e outras cinco pessoas, disse Sami.

Responsáveis de uma organização não governamental (ONG) local disseram à IRIN terem sido alertados para o uso de deficientes mentais em atentados, sobretudo em Diyala, Ramadi ou Fallujah. Algumas das crianças são vendidas pela família, outras são raptadas pelos rebeldes. O porta-voz da ONG, que recusou ser identificado, disse ainda que muitos rapazes que ficaram órfãos desde a invasão americana, em 2003, têm ajudado os rebeldes como espiões ou para distrair os soldados antes de um ataque. Até agora, pelo menos 12 crianças já morreram em atentados.


E enquanto os jornais brasileiros limitaram-se a noticiar o atentado que matou 33 pessoas na Argélia ontem, o espanhol La Razón publica comunicado da "Organização Al-Qaeda nos Países do Magreb Muçulmano", grupo que assumiu a responsabilidade do atentado, declarando "não depor nossa espada até liberarmos toda a terra do Islã de todo cruzado, colaboracionista e agente, desde Jerusalém até Al-Andalus", nome que os conquistadores muçulmanos do século VIII deram à Península Ibérica.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Novo site da Casa Imperial

Já está no ar o novo site da Casa Imperial do Brasil.

Nascimento Real na Holanda


Com 52 centímetros e pesando 4,2 quilos, nasceu ontem a terceira filha do Príncipe Willem-Alexander, herdeiro do trono holandês, e da Princesa Máxima. A menina, é a quarta na linha de sucessão, depois de seu pai e de suas duas irmãs, as Princesas Amalia e Alexia. A Rainha Beatrix visitou o hospital poucas horas depois do nascimento. O nome da Princesa ainda não foi divulgado.

Por todo o país, fitas cor-de-laranja, a cor da Dinastia de Orange, foram amarradas às bandeiras holandesas. Floristas vendem uma tulipa especial, da mesma cor, em homenagem à Casa Real. Homenagens também nas padarias, que vendem tortas com glacê também cor-de-laranja.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Gosford Park

"Oh, but none of us will see it."
Constance, Condessa de Trentham

domingo, 8 de abril de 2007

A defesa dos eternos valores critãos

A ignorância é problema que mais aflige a cristandade atualmente: nações até há pouco cristãs perderam toda a noção de fé, e com ela, uma parte fundamental de suas culturas.

(...)
Ao contrário da idéia, ulteriormente construída, a Inquisição era bem mais misericordiosa do que os tribunais civis: na França, em 200 anos, usou-se da tortura em apenas três ocasiões. Suas cortes foram as primeiras de toda a Europa a garantir uma equipe de advogados de defesa para o acusado. Outra grande ficção é a das Cruzadas: não um proto-colonialismo, mas o último recurso às armas após séculos de provocações e de cruéis atrocidades cometidas por muçulmanos contra indefesos peregrinos cristãos ansiosos por visitar a Terra Santa.

E há também a suposta hostilidade do Cristianismo aos avanços científicos. O mito populista ignora o fato de que tanto Copérnico quanto Galileu desfrutaram de generosos patrocínios vindos de clérigos, que a oposição a Galileu foi provocada por seu fracasso em fornecer provas adequadas para comprovar a teoria de Copérnico (Francis Bacon também acreditava que a teoria era falsa) e pela necessidade de estudar seu impacto na interpretação de escrituras antes de se pronunciar publicamente. Mesmo a eventual condenação de Galileu foi apenas temporária ('donec corrigatur': até que seja corrigido) e foi permitido a cientistas ler os trabalhos que eram proibidos ao grande público.

Como a maioria das teorias científicas está constantemente evoluindo, tal precaução era necessária. Ela torna favorável a comparação com a ciência-glutã de hoje, quando embriões humanos são destruídos na busca de supostas curas médicas que podem ser desenvolvidas com mais eficiência por um método não-controverso de pesquisas com células-tronco adultas. Na semana passada, o Comitê de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Comuns contestou a proibição do governo à derradeira obscenidade, a criação de "quimeras", ou a infusão de DNA de animais em embriões humanos.


Numa época em que a mídia está preocupada com os males passados do escravagismo, não falta quem defenda a idéia de que um ser humano possa ser canibalizado para fornecer partes avulsas ou medicamentos para outros indivíduos. Os critãos têm que fazer com que suas vozes sejam ouvidas neste e em outros assuntos que degradam a humanidade, quando parecemos retroceder a uma versão high-tech das sociedades pagãs que precederam o cristianismo. Hoje, enquanto celebramos a glorificação do corpo humano ascendendo vitorioso sobre a morte, os cristãos deveriam se dedicar à proclamação confiante de seus valores eternos.


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Gerald Warner no Scotland on Sunday.

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Os gulags da nossa era

Da Folha Online:

[o capitão da Royal Navy Cristopher Air] disse que os iranianos os submeteram a "jogos psicológicos".

(...)
Os militares disseram que a única mulher entre os detidos, Faye Turney, foi mantida separada dos outros por vários dias e informada que os demais haviam sido liberados. Eles afirmaram ainda que todos foram vendados, algemados e obrigados a dormir em pequenas celas
.

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Agora é só esperar até que o The New York Times, o The Guardian, a União Européia, a Human Rights Watch, a Anistia Internacional e a Tereza Cruvinel comparem as prisões iranianas a Auschwitz.

Para ler o Pato Donald

Leio no Globo que a Embaixada da República Islâmica do Irã em Brasília divulgou nota denunciando do filme 300, de Zack Snider. Não vi o filme, mas conheço a história da Batalha das Termópilas - mais, não é sobre o filme que aqui se trata, mas das reações a ele.

Um jornalista do The New York Times escreveu que o filme teria agradado "os meninos de Adolf'. Uma outra colunista chamou a atenção para o fato de que os persas, os vilões, tinham a pele mais morena do que os espartanos, os mocinhos. Uma conspiração racista de mais de dois mil anos.

E houve, claro, a nota de Sua Excelência, o Embaixador, acusando o filme de "promover o conflito entre as nações." Quem afirma é uma nação que há quase trinta anos declarou guerra ao Ocidente. O texto afirma ainda que com o filme, Holywood "mostrou estar sob o domínio do governo americano." Prova disso, suponho, é que Michael Moore só conseguiu lançar Fahrenheit 9/11 depois de conseguir o beneplácito da Casa Branca.

O filme ainda "vai ao encontro das políticas bélicas dos governantes neoliberais dos Estados Unidos da América", afirma o representante do país que mantém forças policiais em um país vizinho, mantém um programa nuclear censurado pela comunidade internacional e por mais de uma vez pediu que Israel seja "riscado do mapa".

escrevi no passado que Mahmoud Ahmadinejad tornou-se o ídolo dos neonazistas. Além do anti-semitismo, outro fator de atração é a crença de que os persas são descendentes dos arianos. No passado, houve uma aliança entre a Alemanha Nazista e o Reino da Pérsia, que a pedido do Xá passou a ser Irã, "terra dos arianos" no idioma farsi.

Poucos arsenais nucleares são tão válidos quanto os israelenses. Os arabistas podem choramingar no planário das Nações Unidas ou erguer os restos de Arafat, mas desde que se soube do arsenal atômico (nunca confirmado) nenhum Estado tentou fazer tropas marcharem por Jerusalém.

Para os iranianos, o filme, ou a "farsa total", adota os pontos de vista dos judeus e seus aliados para ofender a cultura iraniana. Ora, se a humanidade só conhece uma versão da história, é porque a "pacifista e humanista" cultura iraniana não conseguiu produzir um Heródoto.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

La faute d'État

O chuveiro só funciona por algumas horas por dia, os banheiros são insalubres. "Quando as coisas estão bastante deterioradas, nós organizamos uma rebelião, quebramos tudo e chamamos a atenção da imprensa", diz Marcos, um corpulento garoto marrom. Todos começam a rir quando perguntados sobre os cursos e as atividades do centro. "Os meninos ficam no máximo três anos na Febem; quando saem, têm muita dificuldade para ler e escrever, denuncia Sueli Santiago dos Santos, diretora da Cedeca [Centro de Defesa da Criança e do Adolescente]. Uma das coisas que fazem quando estão entediados é escolher um jovem por dia, entre os novatos, para torturar.

Procurada, a Febem afirma que a situação melhorou. Dá como exemplo a construção de pequenas unidades com capacidade para 60 jovens, em substituição aos centros que mantinham centenas. Mas Wilson Tafner discorda: "Está cada vez pior. Assim como acontece nas prisões, em várias unidades a Febem delega poderes a um grupo de menores. Estes líderes têm direito a telefone celular e podem receber garotas; em troca, garantem a ordem e evitam rebeliões.

(...)
No coração da Febem, o PCC tornou-se um objeto de fascinação. Wilson Tafner descobriu horrorizado, em suas últimas visitas, as preces ao PCC. Reunidos em círculos ao cair da noite, eles começam com um Pai Nosso antes de gritar exaltando as ações do PCC e prometendo a morte de policiais


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Lamia Oualalou, em excelente texto para o Le Figaro, culpa o Estado pela grave situação do sistema penitenciário brasileiro. Ainda que por vezes a reportagem tenda para o discurso politicamente correto de ONGs, este talvez seja o mais bem-feito - e chocante - relato da realidade carcerária do Brasil, e que raramente se encontra nos jornais nacionais.

Quando T. Mulholland gritou fogo | Demétrio Magnoli

Timothy, que não é Leary, viaja sem o auxílio de aditivos químicos. Na madrugada de 28 de março, alguém usou álcool para incendiar a porta dos apartamentos de dez estudantes africanos, na Universidade de Brasília (UnB). As vítimas escaparam pela janela. No mesmo dia, antes que as superfícies calcinadas esfriassem, o reitor Timothy Mulholland extraiu conclusões definitivas: “A democracia sofreu um atentado. O Brasil é um país racista e a UnB é uma universidade de alma racista.” Homem de ação, tanto quanto de palavras, Mulholland crismou a data como “Dia da Igualdade Racial” na universidade.

Mesmo o exagero tem limites. Seria o crime supostamente cometido por alguns supremacistas brancos a prova cabal de que a Nação sucumbiu ao racismo? É razoável atribuir à UnB, como instituição e comunidade acadêmica, a culpa coletiva pelo feito ignóbil de um hipotético fanático da “raça”?

Mulholland gritou fogo quando uma declaração da ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria da Igualdade Racial (Seppir), incendiava os espíritos. Ela interpretou como “natural” o preconceito de “negros” contra “brancos”, que no fundo não seria preconceito algum, apenas um bem fundamentado conceito sobre a História: “Aqueles que foram açoitados não têm obrigação de gostar de quem os açoitou.” Em nome do Estado, a ministra disse que 1) a Nação se divide em “brancos” e “negros”; 2) os “brancos” representam no presente os proprietários de escravos do passado; 3) os “negros” representam no presente os escravos do passado; 4) a culpa coletiva e histórica dos “brancos” confere legitimidade à desforra dos “negros”.

Matilde Ribeiro desafia a ciência e se insurge contra o princípio da cidadania. A ancestralidade genética não encontra expressão nos fenótipos “raciais”. Anote, ministra: existem “brancos” que descendem de escravos e seus antepassados podem ter sido “açoitados” por “negros” descendentes de proprietários de escravos.

No pensamento moderno, as pessoas se definem pelas suas potencialidades, ou seja, pelo presente e o horizonte futuro, não pela descendência ou linhagem de sangue, ou seja, pelo passado. Ninguém é culpado por atos de seus antepassados diretos, muito menos por atos de imaginários antepassados “raciais”. É por isso que os conceitos de cidadania e raça são mutuamente excludentes.

O reitor gritou fogo, antes ainda do início das investigações policiais, para fornecer sustentação empírica aos argumentos “teóricos” da ministra. Ambos estão engajados num empreendimento de engenharia social cujo fim é a reivenção do Brasil.

Na Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios de 1976, milhões de brasileiros produziram 136 respostas inesperadas para o quesito de cor/raça. Os “acastanhados”, “bronzeados”, “moreninhos”, “queimados-de-sol”, “sararás” e dezenas de eteceteras somaram mais de dois quintos da população, que não se reconheciam nas cinco categorias censitárias do IBGE. A prova de que a “raça” não deitou raízes fundas no Brasil foi interpretada como “falsa consciência” pelos agentes do pensamento racialista, articulados internacionalmente e financiados pela Fundação Ford. Eles iniciaram ali uma jornada de retificação das mentes, com a finalidade de fabricar as duas raças polares na consciência das pessoas. A Seppir, as cotas, o Estatuto Racial e o grito de “fogo!” de Mulholland são instrumentos a serviço desse programa.

A classificação legal e compulsória de raças, complementada pela promessa de cotas para “negros” na universidade, no serviço público e no mercado de trabalho, se destina a fabricar nas estatísticas uma “raça negra”, convertendo os “impuros” à declaração racial “correta”. A difusão oficial do discurso do “orgulho de raça”, apoiado nos pilares paralelos da vitimização e da redenção, se destina a fabricar nas mentes a “raça negra”: os “negros” consagram a sua “negritude” quando aprendem a identificar nos “brancos” os opressores.

Estado, economia e classes sociais são conceitos abstratos que formam a paisagem complexa da política democrática. O ponto de fuga é a produção de um inimigo “concreto”, facilmente identificável pela religião, linhagem ou aparência: o “muçulmano” na Bósnia, o “judeu” no Reich alemão, o “tutsi” em Ruanda, o “imigrante” na França, o “chinês” na Malásia. No Brasil, sob a regência de Matilde Ribeiro, apaga-se a classe social e se inscreve no lugar a “raça” para erguer uma narrativa na qual os “negros” sofreram e continuam a sofrer os “açoites” da “elite branca”. É um flerte, consciente ou não, com a estratégia política de semeadura de ódio.

A UnB de Mulholland é um campo de provas da engenharia das raças. Nela se introduziram as cotas raciais e um “tribunal da raça”, na forma de uma comissão que certifica, pelo exame de fotografias, a “negritude” dos candidatos inscritos no sistema de cotas. Sob o silêncio cúmplice da reitoria, estudantes-ativistas gravam aulas em busca de pretextos para acusar docentes de “racismo”. A raça converteu-se em obsessão, e divergências de opinião ou desentendimentos casuais adquirem sentidos estapafúrdios na tela política da racialização.

Dias depois do incêndio criminoso no alojamento estudantil, a polícia começou a desvendar uma trama de rixas crônicas entre moradores. Festas de arromba, barulho noturno e brigas banais figurariam entre as motivações dos incendiários. Na lista de suspeitos apontados pelas vítimas há um estudante que se descreve como “negro” e outro identificado como “pardo”.

Os policiais, aparentemente, afastaram a hipótese de atentado de cunho racista. As suas conclusões serão impressas, cedo ou tarde, numa nota de página interna dos jornais. No registro histórico, porém, já ficou impressa a versão do reitor, que conta com as vantagens do selo oficial, da precedência temporal e da perenidade solene de uma nova data de memória. Timothy, que não é Leary, viaja com um galão cheio de álcool inflamável e um estoque de caixas de fósforos.



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Demétrio Magnoli no Estado de S. Paulo.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Há 25 anos...

Las Malvinas son Argentinas
Or not

Direto do túnel do tempo

Elio Gaspari é um idiota e acha que os iranianos estão certos em manter prisioneiros os quinze marinheiros britânicos capturados na sexta-feira 23 de março no Canal de Shatt al-Arab, na fronteira entre o Irã e o Iraque. Gaspari certamente acredita que a incursão dos militares em águas iranianas faz parte de uma invasão ao país dos aiatolás pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha, prestes a ser executada.

E idiota que é, acredita que estes países já têm soldados escondidos em diversos pontos do Irã, como defendeu o Observer no domingo. Logo, é legítima a denúncia vinda de Teerã de que os quinze marinheiros, além de violadores de soberania, são espiões - um tanto indiscretos, há que se convir, visto que vestiam uniforme e viajavam a bordo de um navio de guerra. Gaspari não é o único. Para alegria dos fanáticos de toalhas na cabeça, os idiotas pululam nas redações.

O Irã afirma que capturou os marinheiros da Royal Navy e da Royal Marines em suas águas, o que constitui uma invasão e legitimaria a detenção. No entanto, o Ministério da Defesa Britânico apressou-se em divulgar a localização em que seus militares foram detidos, valendo-se inclusive de imagens de satélite, e o International Boundary Research Unit confirmou que aquelas eram águas territorias iraquianas.

Pouco depois da detenção, o Irã informou que os britânicos haviam "confessado" a invasão, divulgando em seguida uma carta assinada pela única mulher do grupo, Faye Turney, endereçada aos membros da Câmara dos Comuns. Na carta, Ms Turney escreve que

gostaria que todos vocês soubessem do tratamento que recebo aqui. Os iranianos são gentis, carinhosos e muito acolhedores. Eles não me feriram, mas cuidaram muito bem de mim. Estou sendo alimentada, vestida e cuidada. Infelizmente, durante nossa missão, invadimos águas iranianas. Apesar desse equívoco, eles nos trataram bem e humanamente, motivo pelo qual sou e serei eternamente agradecida. Pergunto aos membros da Câmara dos Comuns, se depois de o Governo prometer que esse tipo de incidente não mais ocorreria, por que ele aconteceu, e por que o Governo não foi questionado sobre isso: "Não é o momento de retirarmos nossas tropas do Iraque e permitir que eles decidam seu próprio futuro?"


Em outra carta, dirigida ao “povo britânico”, Ms Turney afirma ser uma vítima das "políticas intervencionistas dos governos Bush e Blair", e mais uma vez pede a retirada das tropas do Iraque.

Qualquer observador sensato levantaria dúvidas sobre as condições em que foram feitas as declarações de Ms Turney e dos outros marinheiros “entrevistados” pela televisão iraniana. Mas os idiotas preferiram acreditar que a ditadura muçulmana está tratando os “prisioneiros de guerra” a pão-de-ló. Mais, que uma vez em contato com os prodígios da cultura persa, os marinheiros abandonaram os preconceitos ocidentais e aderiram à causa do multiculturalismo e do pacifismo. Na próxima, eles se convertem ao islamismo.

Em 1979 um grupo de estudantes iranianos fez 66 diplomatas e cidadãos americanos reféns na Embaixada dos Estados Unidos em Teerã. Entre os organizadores da invasão estava o representante da Universidade de Ciência e Tecnologia, Mahmoud Ahmadinejad, atual Presidente da República Islâmica do Irã. A situação estendeu-se por mais de um ano, graças à fraqueza do então Presidente Jimmy Carter.

George Savile, Marquês de Halifax, já no século XVII explicava que “não se enforca um homem por ele ter roubado cavalos, mas para que os cavalos não sejam mais roubados”. Tivesse Carter sido mais rígido, não teria o Irã tanta certeza de que pode infringir as normas internacionais sem qualquer risco de retaliação. E infelizmente outros, além dos nossos criminalistas, deixaram de lado o conselho.

O Primeiro-Ministro inglês demorou três dias para dizer que a detenção era “errada e injustificável”. A Secretária de Assuntos Externos, Margaret Beckett, declarou que o incidente deixou o Governo “chocado”. So far, não mais que isso. As Nações Unidas e a União Européia também fraquejaram além do que seria admissível, e sua postura serve para questionar qual a razão de ser dos organismos de mediação internacionais.

Há exatos 25 anos tropas argentinas invadiram as Ilhas Falkland e as Ilhas Geórgia do Sul e Sandwich do Sul. Confrontada com a agressão à soberania de seu país, a Primeira-Ministra Margaret Thatcher não demonstrou hesitação. A agressão tinha de ser combatida e seu povo tinha de ser defendido.

Mais de 900 baixas garantiram ao Reino Unido a manutenção do domínio sobre as ilhas. A Argentina ainda reclama as “Malvinas”, mas é certo que não arriscariam outra aventura militar contra quem quer que fosse.

No Irã, no entanto, há outra razão para tanta ousadia, além do histórico de vitórias dessa atitude. O fracasso da coalizão anglo-americana no Iraque colocou abaixo o poder diplomático das potências ocidentais naquela região.

As negociações tornaram-se meras encenações no plenário da ONU. Diplomacia é válido, mas não se leva a sério quem não tem umas boas divisões para garantir suas vontades. As ditaduras continuarão a dar de ombros para as críticas aos seus regimes, na certeza de que não há risco de ser importunadas. Agora, nenhuma potência ocidental pode recorrer à intimidação para manter o mínimo de civilidade nas nações mais atrasadas do globo, pois logo há de aparecer um idiota pulando na frente: “Iraque, Iraque, lembre do Iraque, companheiro”...

domingo, 1 de abril de 2007

E se fosse o contrário?

A Semana Santa é o momento em que os critãos lembram a crucificação de Jesus. Neste ano, eles também deveriam pensar em outra crucificação, a de um menino de 14 anos pregado a uma cruz por muçulmanos no Iraque.

O crime diabólico foi parte de uma campanha de jihadistas para extinguir uma das mais antigas Igrejas cristãs do mundo, a dos assírios. Graças à indiferença do Ocidente, a campanha vai muito bem.

A falta de interesse do Ocidente em relação ao destino dos assírios é repugnante, como pode ser lido neste
brilhante artigo de Ed West no Catholic Herald. Começa assim:

"É uma tradição do Oriente Médio, quando se cozinha, colocar a carne sobre o arroz ao servir o prato. Eles raptaram o bebê de uma mulher em Bagdá, uma criança, e como a mãe não pôde pagar o resgate, eles devolveram seu filho: decapitado, assado, sobre um monte de arroz".


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Damian Thompson, no Telegraph.