Gilles Gomes de Araújo Ferreira

domingo, 17 de setembro de 2006

Será o Benedictus?

Minas Gerais, 17 de setembro de 2006

No começo do ano os muçulmanos de todo o mundo se indignaram com o jornal conservador dinamarquês Jyllands-Posten por ter publicado caricaturas do profeta Maomé. Embaixadas apedrejadas, bandeiras queimadas, ocidentais hostilizados. Para a maioria do lado de lá, desrespeitamos não só o Islã como todos os seus seguidores. Éramos, assim, os únicos culpados pela perturbação. Deveríamos, então, curvar-nos diante das mesquitas pedindo perdão.

Do lado de cá, o consenso era o mesmo. As Nações Unidas culparam o Governo da Dinamarca por não demonstrar "sensibilidade com os muçulmanos insultados". Houve até quem alertasse para um "Novo Holocausto", em que as vítimas seriam os muçulmanos da Europa. Mas não nos estendamos nisso. Os interessados podem verificar os arquivos deste blogue, especialmente Existe perseguição contra muçulmanos? e A hipocrisia, mais uma vez.

Dentre os dissidentes de cá, ninguém atraiu mais atenção do que Oriana Fallaci, que abandonou um auto-exílio de dez anos quando dos atentados de 11 de setembro para denunciar o servilismo do Ocidente perante o islamismo.

Sig.ra Fallaci faleceu esta semana, e o mundo muçulmano se revoltaria logo depois. O pretexto é uma declaração do Papa Bento XVI. Na Universidade de Regensburg, falando sobre a relação entre religião e violência, o Sumo Pontífice lembrou um Imperador Bizantino - Manuel II Paleologus -, que no século XIV disse que no Islã só se encontravam "coisas más e desumanas". Depois, com o discernimento que o caracteriza, afirmou que a religião encontra-se na alma, e não no corpo, daí não ser possível a conversão pela força.

A referência, no entanto, não agradou. Recordar alguém que desconfia do Islã, anotem, é ofensivo também. Para que não haja dúvidas, é recomendável não mencionar os muçulmanos, sua religião e seu profeta sem prévia autorização.

De todas as manifestações encontradas, a mais interessante vem do Presidente de Assuntos Religiosos da Turquia, Ali Bardakoğlu, conhecido como "moderado". Sidi Bardakoğlu alegou que as declarações papais eram "extraordinariamente preocupantes" e pediu uma retratação do próprio Papa. Lembrou ainda "guerras religiosas sul-americanas", "agressão nazista", "inquisição e caça às bruxas", e "supressão da ciência". Falou ainda que "se há algum antagonismo religioso no Ocidente, é responsabilidade da lógica distorcida da Igreja Cristã". Pediu o cancelamento de uma visita que o Santo Padre fará ao país.

Mais tarde, admitiu não ter lido o pronunciamento papal. Com moderados como esses... Em Gaza, cinco templos das igrejas Ortodoxa Grega e Anglicana foram incendiados. O líder do maior partido do Parlamento turco, Salih Kapusuz, comparou o Santo Padre a Adolf Hitler. Uma declaração, além de grosseira e deselegante, simplória - é de conhecimento público que Joseph Ratzinger foi membro da Juventude Hitlerista - e errônea. Os nazistas eram aliados muito próximos dos muçulmanos. Na fotografia acima, conversam Hr. Hitler e Mohammad Amin al-Husayni, Mufti de Jerusalém e tio de Yasser Arafat.

O Primeiro-Ministro da Turquia Recep Tayyip Erdoğan pediu uma retratação. O Parlamento paquistanês censurou. O Marrocos retirou seu embaixador da Santa Sé. O jornalão The New York Times criticou. O Governo argelino afirmou que o Bispo de Roma "atenta" contra o Islã e que suas palavras "um modo de semear o rancor e a humilhação".

A Primeira-Ministra Angela Merkel, cada vez mais bem cotada por este blogue, saiu em defesa do Vigário de Cristo: "O que Bento XVI enfatizou foi uma definitiva renúncia a todas as formas de violência em nome da religião". Talvez seja essa a razão da discórdia.

Kyrie Eleison.

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