450 mil mortos. 2,5 milhões de refugiados. Vilarejos incendiados. Estupros em massa. Rapto de crianças. Contaminação de fontes de água. Em Darfur, no Sudão, o maior desastre humanitário desde Ruanda. Desde 2003 uma milícia árabe, os janjawid, persegue, tortura e mata a população negra sudanesa. Apesar de negar publicamente, o Governo do Sudão oferece apoio financeiro e tático aos milicianos, e não raro, participa de ataques conjuntos.
Darfur é uma tragédia e a comunidade internacional deve trabalhar para que a desgraça chegue ao fim. É o que dizem os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a Alemanha, a França, a Espanha e o resto da Europa, o Canadá, a Austrália e Israel. É o que pedem as Nações Unidas, a União Africana, a Anistia Internacional, os Médicos Sem Fronteiras e o Tribunal Penal Internacional. Em 2004 o Conselho de Segurança da ONU se reuniu para emitir uma condenação formal ao país. O Brasil era um dos membros rotativos do Conselho. E votou contra a condenação. Ficou ao lado de China, Paquistão e Argélia. O representante brasileiro na ONU, Ronaldo Sardemberg, disse que o Brasil prefere dar mais tempo ao Sudão. Mais de 10.000 pessoas morrem por mês em Darfur.
A Birmânia, ou Mianmar, é há mais de quarenta anos governada por uma junta militar. No final de setembro um grupo de monges – que têm status de semi-divindade em um país profundamente religioso – marcharam pela capital em um protesto contra o regime militar. No dia seguinte, foram acompanhados por 100.000 pessoas. Em resposta, tropas atiraram contra manifestantes, o acesso a telefones e à internet foi limitado e o toque de recolher foi decretado.
De Nova Iorque, onde acontecia a 62ª Assembléia Geral das Nações Unidas, vários países lançaram críticas ao regime birmanês. O Presidente George W. Bush impôs novas sanções ao país. O Primeiro-Ministro Gordon Brown pediu eleições livres. O Itamaraty limitou-se a lamentar e declarar que espera que “uma solução seja alcançada por meio do diálogo entre as Partes (sic)”. Na última vez que manifestantes protestaram por democracia na Birmânia, em 1988, 3.000 foram mortos por tropas militares.
Na mesma Assembléia, o Presidente Luiz Inácio saiu em defesa do programa nuclear iraniano. Para Lula, o Irã tem direito de enriquecer urânio “como uma coisa pacífica, como o Brasil faz”. Lula não explicou qual a utilidade do urânio “como uma coisa pacífica” para um país sentado sobre a maior reserva de gás natural e a 2ª maior reserva de petróleo de mundo. Lula também perdeu a oportunidade de deixar claras outras diferenças – as que realmente importam – entre nós e Teerã. De dizer que ao contrário dos aiatolás, o Brasil não tem inimigos declarados, nem desejou que um país fosse “riscado do mapa”, nem financia tropas rebeldes em outros países, nem mantém um regime de exceção, nem menospreza os direitos individuais. Como Presidente da República, cabe a Luiz Inácio a defesa das instituições brasileiras. Ele preferiu, ao contrário, rebaixar seu país ao patamar de uma teocracia autoritária.
O serviço diplomático brasileiro carrega uma tradição de eficiência e discrição. Nos últimos anos, perdeu os dois. O Itamaraty ainda dispõe de excelência em seus quadros. O problema é que ninguém responde “bom dia” antes de autorizado por Brasília. Se as recentes decisões tomadas pelo Brasil no cenário internacional são difíceis de entender, o contrário acontece em relação às razões por trás delas. Não é recente a ambição por uma cadeira permanente no Conselho de Segurança. Recente é a forma com que se tenta tornar real esse desejo. Ao invés de justificar o propósito com coragem e mérito, prefere-se agora atirar os escrúpulos às favas para prestar favores, esforçando-se para ganhar a simpatia de um bando de esfarrapados. Não deveria surpreender: esse é o jeito petista de fazer política.
“A atitude do Brasil pode ajudar muito nos negócios”, afirmou um diretor do Ministério das Finanças sudanês ao Estado de S. Paulo. Para um país que começa a se acostumar a medir o sucesso de sua diplomacia pelos índices da balança comercial, com um Presidente que compara suas visitas ao exterior às de um caixeiro viajante, fica a dúvida sobre se a “neutralidade” adotada será abandonada tão logo o Conselho seja reformado. Não; porque o que o Brasil pratica não é neutralidade, mas bisonha timidez.
A neutralidade, inventada pelos suíços no século XVI, tinha um propósito interno. O Estado não se achava no direito de representar a opinião de seus cidadãos, uma vez que elas não eram comuns. E se a intenção é ser neutro, pra quê tanto afã em conquistar poder de decisão? Só pra satisfazer a vaidade dos que não perdem a oportunidade de se proclamarem estadistas?
Até hoje as FARC não são reconhecidas como um grupo terrorista, apesar de repetidos pedidos do Governo colombiano. E esta não é uma falta que começou neste governo. Fernando Henrique condecorou Fujimori, e tentou justificar o terrorismo poucos dias depois de 11 de Setembro, ao mesmo tempo que condenava os atentados. Não é que o Brasil decida errado; o Brasil não decide. É o Sr. Eco, tentando ao mesmo tempo agradar a Deus e a Mamon. E quem fica no meio da estrada, dizia Margaret Thatcher, acaba atropelado pelos dois lados.
Darfur é uma tragédia e a comunidade internacional deve trabalhar para que a desgraça chegue ao fim. É o que dizem os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a Alemanha, a França, a Espanha e o resto da Europa, o Canadá, a Austrália e Israel. É o que pedem as Nações Unidas, a União Africana, a Anistia Internacional, os Médicos Sem Fronteiras e o Tribunal Penal Internacional. Em 2004 o Conselho de Segurança da ONU se reuniu para emitir uma condenação formal ao país. O Brasil era um dos membros rotativos do Conselho. E votou contra a condenação. Ficou ao lado de China, Paquistão e Argélia. O representante brasileiro na ONU, Ronaldo Sardemberg, disse que o Brasil prefere dar mais tempo ao Sudão. Mais de 10.000 pessoas morrem por mês em Darfur.
A Birmânia, ou Mianmar, é há mais de quarenta anos governada por uma junta militar. No final de setembro um grupo de monges – que têm status de semi-divindade em um país profundamente religioso – marcharam pela capital em um protesto contra o regime militar. No dia seguinte, foram acompanhados por 100.000 pessoas. Em resposta, tropas atiraram contra manifestantes, o acesso a telefones e à internet foi limitado e o toque de recolher foi decretado.
De Nova Iorque, onde acontecia a 62ª Assembléia Geral das Nações Unidas, vários países lançaram críticas ao regime birmanês. O Presidente George W. Bush impôs novas sanções ao país. O Primeiro-Ministro Gordon Brown pediu eleições livres. O Itamaraty limitou-se a lamentar e declarar que espera que “uma solução seja alcançada por meio do diálogo entre as Partes (sic)”. Na última vez que manifestantes protestaram por democracia na Birmânia, em 1988, 3.000 foram mortos por tropas militares.
Na mesma Assembléia, o Presidente Luiz Inácio saiu em defesa do programa nuclear iraniano. Para Lula, o Irã tem direito de enriquecer urânio “como uma coisa pacífica, como o Brasil faz”. Lula não explicou qual a utilidade do urânio “como uma coisa pacífica” para um país sentado sobre a maior reserva de gás natural e a 2ª maior reserva de petróleo de mundo. Lula também perdeu a oportunidade de deixar claras outras diferenças – as que realmente importam – entre nós e Teerã. De dizer que ao contrário dos aiatolás, o Brasil não tem inimigos declarados, nem desejou que um país fosse “riscado do mapa”, nem financia tropas rebeldes em outros países, nem mantém um regime de exceção, nem menospreza os direitos individuais. Como Presidente da República, cabe a Luiz Inácio a defesa das instituições brasileiras. Ele preferiu, ao contrário, rebaixar seu país ao patamar de uma teocracia autoritária.
O serviço diplomático brasileiro carrega uma tradição de eficiência e discrição. Nos últimos anos, perdeu os dois. O Itamaraty ainda dispõe de excelência em seus quadros. O problema é que ninguém responde “bom dia” antes de autorizado por Brasília. Se as recentes decisões tomadas pelo Brasil no cenário internacional são difíceis de entender, o contrário acontece em relação às razões por trás delas. Não é recente a ambição por uma cadeira permanente no Conselho de Segurança. Recente é a forma com que se tenta tornar real esse desejo. Ao invés de justificar o propósito com coragem e mérito, prefere-se agora atirar os escrúpulos às favas para prestar favores, esforçando-se para ganhar a simpatia de um bando de esfarrapados. Não deveria surpreender: esse é o jeito petista de fazer política.
“A atitude do Brasil pode ajudar muito nos negócios”, afirmou um diretor do Ministério das Finanças sudanês ao Estado de S. Paulo. Para um país que começa a se acostumar a medir o sucesso de sua diplomacia pelos índices da balança comercial, com um Presidente que compara suas visitas ao exterior às de um caixeiro viajante, fica a dúvida sobre se a “neutralidade” adotada será abandonada tão logo o Conselho seja reformado. Não; porque o que o Brasil pratica não é neutralidade, mas bisonha timidez.
A neutralidade, inventada pelos suíços no século XVI, tinha um propósito interno. O Estado não se achava no direito de representar a opinião de seus cidadãos, uma vez que elas não eram comuns. E se a intenção é ser neutro, pra quê tanto afã em conquistar poder de decisão? Só pra satisfazer a vaidade dos que não perdem a oportunidade de se proclamarem estadistas?
Até hoje as FARC não são reconhecidas como um grupo terrorista, apesar de repetidos pedidos do Governo colombiano. E esta não é uma falta que começou neste governo. Fernando Henrique condecorou Fujimori, e tentou justificar o terrorismo poucos dias depois de 11 de Setembro, ao mesmo tempo que condenava os atentados. Não é que o Brasil decida errado; o Brasil não decide. É o Sr. Eco, tentando ao mesmo tempo agradar a Deus e a Mamon. E quem fica no meio da estrada, dizia Margaret Thatcher, acaba atropelado pelos dois lados.
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