Gilles Gomes de Araújo Ferreira

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Fábula

Bebia água no Vístula um cordeiro
chamado Baranówicz, quando um lobo,
coronel Wolfgang, veio e, sobranceiro,
lhe disse:

– Você pensa que sou bobo,
que eu não o vejo envenenando o rio
há muitos anos e espalhando a Peste?

– Mas nós morremos séculos a fio,
também de causa igual.

– Não me moleste
com esse irrelevante pormenor.
Vocês são todos ricos e eu sou pobre.

– Como sou rico se não tenho cobre?
Os Senhores controlam a maior
empresa, enquanto eu estou desempregado.

– Você conspira e apóia, do outro lado
do Vístula, o inimigo. Não insista,
capitalista-ovino-bolchevista.

– Mas os ursos de lá, seus caros primos,
nos comem com desculpa semelhante...

– Você, cosmopolita como vimos,
não é nada ariano.

– Como assim?
Perdoe-me, não queria ser pedante,
mas aries é carneiro em bom latim.

– Sei disso e, embora seja um lobo culto,
um Kulturwolf, não lhe darei indulto
porque vocês mataram Jesus Cristo.

– Foi a loba romana que fez isto
e mesmo que um cordeiro fosse o algoz
de quem, como Agnus Dei, era um de nós,
seria assunto nosso.

– Ovino arisco
e cínico, já chega de pilhéria.
Ordens se cumprem: vamos, pois no aprisco
de Oswiécin há trabalho que libera.
Farei, após havê-lo tosquiado,
com sua pele de cordeiro um manto
para aquecer-me neste inverno enquanto
nós lobos conquistamos Stalingrado.

Desprezando os balidos derradeiros
de Baranówicz - livres dos cordeiros! -,
os outros ruminantes, todavia,
passavam perto sem perder a calma.
Wolfgang, formando-se em filosofia
anos depois (com a tese acerca D'Alma
Lupina e seu Transcendental Destino),
reingressou, pela esquerda, na política
(não sem antes fazer sua autocrítica)
para conter o imperialismo ovino.

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Nelson Ascher, em Algo de Sol.

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