Minas Gerais, 21 de julho de 2006
Il Duce Benito Mussolini dizia que "as poltronas e as pantufas são as ruínas do mundo". As pessoas podem ser surpreendentes. Mesmo um facista boçal e gabarola é capaz de alguns impulsos de inteligência. Alguém precisa avisar o Presidente sobre isso...
Por algumas semanas as poltronas e as pantufas compuseram o cenário de meu ócio contemplativo. Oh, quanto tempo perdido. Jornais amontoaram-se ao lado de uma estante. Ignorá-los fazia parte do meu projeto de total desconexão da realidade. Aprendi com Marilena Chauí. Era assim que pretendia evitar o ímpeto de dedicar parte das minhas folgas para escrever e voltar à rebeldia conservadora. Paga-se um preço caro pela indolência. Meu castigo foi demorar para perceber a verdade. Assim como Marilena Chauí.
Findo o recesso, dediquei-me à leitura daqueles papéis que tinha ignorado. E lendo um artigo de Miriam Leitão em O Globo, deparei-me com a incômoda verdade: eu sou o Barão de Araruna. Porque não me constranjo com a situação deplorável a que os negros do Brasil são submetidos. Porque não me incomoda não ver negros em restaurantes. Porque me dá prazer vê-los afogados na miséria. E eu achei que só era contra as cotas...
A colunista está com toda a razão. Somente uma pessoa interessada em manter o status quo da elite branca pode se opor ao Estatuto da Igualdade Racial. Só um sádico insensível e desumano não se solidarizaria perante o tratamento que a sociedade racista brasileira reserva aos afrodescendentes.
Vocês racistas dizem que a proposta do excelso Senador Sr. Paulo Paim (PT-RS) é inconstitucional. A Constituição deve ser acomodada taticamente. Que Carta democrática impediria os avanços das garantias sociais? Há direitos que devem sobrepor-se a outros em nome do bem comum. Como a reforma agrária em relação ao direito à propriedade.
Vocês preconceituosos provavelmente utilizarão a Espanha como exemplo. O primeiro projeto de lei enviado às Cortes Generales pelo Presidente do Governo Sr. José Luiz Rodriguez Zapatero tratava da proteção contra violência de gênero. Seus congêneres hispânicos no Partido Popular reclamaram que a medida protegia apenas as mulheres, deixando de lado os homens, as crianças, e os velhos. Tanto fizeram que o Consejo General del Poder Judicial declarou a norma inconstitucional, porque discriminava os cidadãos pelos sexos! Ora, todos sabem que a Espanha é caracterizada pelo conservadorismo católico da sua gente, capaz de se divertir com o sofrimento de pobres bovinos, criaturas de Deus como todos nós. O espanhóis ainda pagam imposto à Igreja Católica e se recusam a libertar os bascos, que ao contrário do que se diz, não praticam o terrorismo. O nome certo é resistência.
Vocês porcos nazistas certamente aludirão à Africa do Sul. Pois saibam desde já que desde Nelson Mandela uma série de medidas foram aprovadas para alavancar uma elite negra. Como o Black Economic Empowerment (BEE) do Presidente Mr Thabo Mbeki, que determina que 25% do capital das empresas esteja na mão de pessoas negras até o fim da próxima década. Vocês podem até procurar um artigo do professor Mr Jeffrey Herbst - que é branco - criticando a intervenção. Argumenta ele que uma minoria negra bem relacionada politicamente está sendo a única beneficiada. Expõe dados que demonstram que 60% dos negócios fechados sob à luz da nova lei em 2003 tiveram como beneficiários apenas duas pessoas, os bee-llionaires.
O escrito foi publicado no International Herald Tribune, a versão européia do jornalão americano The New York Times, aquele do fanfarrão Larry Rohter, que inventou que o Presidente Lula bebe além da conta. Meros instrumentos do capital estrangeiro e da agressiva política externa americana imperialista pró-Israel do Presidente Bush. Os americanos fazem de tudo para deter os avanços da integração latino-americana e das reformas que o governo está implementando no Brasil. É isso: os avanços incomodam os americanos. Nós temos que ser pobres para que eles sejam ricos.
Ora, Mr George W. Bush é um direitista republicano. Racista por excelência. Não viram o caos em New Orleans? Aquilo só ficou assim porque é uma cidade de maioria negra. Eu sei que Mr Abraham Lincoln, que levou o país à Guerra Civil para abolir a escravidão, era republicano. E que Mr Ulysses S. Grant, que enfrentou a Ku Kux Klan também... Mas... eram apenas... exceção. As ações afirmativas, a verdadeira abolição, foi imposta por um democrata, Mr John F. Kennedy.
Os democratas são esquerda. Mr Bill Clinton é democrata. A direita é a histórica guardiã dos preconceitos de cor, de classe, de origem. A esquerda está acima de tudo isso, são pessoas dedicadas a promover a paz social. E o crescimento econômico com distribuição de renda.
Os nazistas eram direita, certo? A esquerda nunca admitiria um projeto que envolvesse racismo. É certo que na URSS etnias inteiras foram expulsas de suas terras natais para a formação do Novo Homem Soviético. E que milhões de grupos étnicos inteiros foram condenados por crimes contra o comunismo, como quando 1 milhão de ucranianos morreram de fome. Mas é também verdade que a União Soviética distorceu toda a ideologia de Lênin. Não eram comunistas, eram capitalistas de Estado.
Os comunistas do Vietnã também perseguiram minorias raciais. Como os Montagnards - perdão, Degars. Montagnard é o nome que os colonizadores deram - e os H'Mông. E o regime do Presidente Mr Robert Mugabe declarou guerra aos brancos. De acordo com Mr Mugabe, o Zimbábue é um país para negros.
Ah, mas os cotistas alcançaram notas maiores que os não-cotistas nas universidades. Provam que são mais inteligentes. Logo... não precisariam de cotas!
Hr. Mayer Amschel Rothschild nasceu em um gueto em Frankfurt. As leis da época discriminavam os judeus, que eram impedidos, por exemplo, de se casar com quem não fosse do gueto. Isso não o impediu de criar uma dinastia de banqueiros e investidores, que se tornaram nobres na Inglaterra e na Áustria. Um relato do século XIX diz que os judeus, perseguidos na Rússia czarista, onde foi escrito Os Protocolos dos Sábios do Sião, mesmo nas casas mais pobres, dedicavam parte do orçamento familiar para comprar livros, enquanto até mesmo os aristocratas russos desdenhavam da instrução.
Pra terminar, Francis Bacon: "A baixeza mais vergonhosa é a adulação".
O Brasil é um atentado à inteligência.
Kyrie Eleison.
Por algumas semanas as poltronas e as pantufas compuseram o cenário de meu ócio contemplativo. Oh, quanto tempo perdido. Jornais amontoaram-se ao lado de uma estante. Ignorá-los fazia parte do meu projeto de total desconexão da realidade. Aprendi com Marilena Chauí. Era assim que pretendia evitar o ímpeto de dedicar parte das minhas folgas para escrever e voltar à rebeldia conservadora. Paga-se um preço caro pela indolência. Meu castigo foi demorar para perceber a verdade. Assim como Marilena Chauí.
Findo o recesso, dediquei-me à leitura daqueles papéis que tinha ignorado. E lendo um artigo de Miriam Leitão em O Globo, deparei-me com a incômoda verdade: eu sou o Barão de Araruna. Porque não me constranjo com a situação deplorável a que os negros do Brasil são submetidos. Porque não me incomoda não ver negros em restaurantes. Porque me dá prazer vê-los afogados na miséria. E eu achei que só era contra as cotas...
A colunista está com toda a razão. Somente uma pessoa interessada em manter o status quo da elite branca pode se opor ao Estatuto da Igualdade Racial. Só um sádico insensível e desumano não se solidarizaria perante o tratamento que a sociedade racista brasileira reserva aos afrodescendentes.
Vocês racistas dizem que a proposta do excelso Senador Sr. Paulo Paim (PT-RS) é inconstitucional. A Constituição deve ser acomodada taticamente. Que Carta democrática impediria os avanços das garantias sociais? Há direitos que devem sobrepor-se a outros em nome do bem comum. Como a reforma agrária em relação ao direito à propriedade.
Vocês preconceituosos provavelmente utilizarão a Espanha como exemplo. O primeiro projeto de lei enviado às Cortes Generales pelo Presidente do Governo Sr. José Luiz Rodriguez Zapatero tratava da proteção contra violência de gênero. Seus congêneres hispânicos no Partido Popular reclamaram que a medida protegia apenas as mulheres, deixando de lado os homens, as crianças, e os velhos. Tanto fizeram que o Consejo General del Poder Judicial declarou a norma inconstitucional, porque discriminava os cidadãos pelos sexos! Ora, todos sabem que a Espanha é caracterizada pelo conservadorismo católico da sua gente, capaz de se divertir com o sofrimento de pobres bovinos, criaturas de Deus como todos nós. O espanhóis ainda pagam imposto à Igreja Católica e se recusam a libertar os bascos, que ao contrário do que se diz, não praticam o terrorismo. O nome certo é resistência.
Vocês porcos nazistas certamente aludirão à Africa do Sul. Pois saibam desde já que desde Nelson Mandela uma série de medidas foram aprovadas para alavancar uma elite negra. Como o Black Economic Empowerment (BEE) do Presidente Mr Thabo Mbeki, que determina que 25% do capital das empresas esteja na mão de pessoas negras até o fim da próxima década. Vocês podem até procurar um artigo do professor Mr Jeffrey Herbst - que é branco - criticando a intervenção. Argumenta ele que uma minoria negra bem relacionada politicamente está sendo a única beneficiada. Expõe dados que demonstram que 60% dos negócios fechados sob à luz da nova lei em 2003 tiveram como beneficiários apenas duas pessoas, os bee-llionaires.
O escrito foi publicado no International Herald Tribune, a versão européia do jornalão americano The New York Times, aquele do fanfarrão Larry Rohter, que inventou que o Presidente Lula bebe além da conta. Meros instrumentos do capital estrangeiro e da agressiva política externa americana imperialista pró-Israel do Presidente Bush. Os americanos fazem de tudo para deter os avanços da integração latino-americana e das reformas que o governo está implementando no Brasil. É isso: os avanços incomodam os americanos. Nós temos que ser pobres para que eles sejam ricos.
Ora, Mr George W. Bush é um direitista republicano. Racista por excelência. Não viram o caos em New Orleans? Aquilo só ficou assim porque é uma cidade de maioria negra. Eu sei que Mr Abraham Lincoln, que levou o país à Guerra Civil para abolir a escravidão, era republicano. E que Mr Ulysses S. Grant, que enfrentou a Ku Kux Klan também... Mas... eram apenas... exceção. As ações afirmativas, a verdadeira abolição, foi imposta por um democrata, Mr John F. Kennedy.
Os democratas são esquerda. Mr Bill Clinton é democrata. A direita é a histórica guardiã dos preconceitos de cor, de classe, de origem. A esquerda está acima de tudo isso, são pessoas dedicadas a promover a paz social. E o crescimento econômico com distribuição de renda.
Os nazistas eram direita, certo? A esquerda nunca admitiria um projeto que envolvesse racismo. É certo que na URSS etnias inteiras foram expulsas de suas terras natais para a formação do Novo Homem Soviético. E que milhões de grupos étnicos inteiros foram condenados por crimes contra o comunismo, como quando 1 milhão de ucranianos morreram de fome. Mas é também verdade que a União Soviética distorceu toda a ideologia de Lênin. Não eram comunistas, eram capitalistas de Estado.
Os comunistas do Vietnã também perseguiram minorias raciais. Como os Montagnards - perdão, Degars. Montagnard é o nome que os colonizadores deram - e os H'Mông. E o regime do Presidente Mr Robert Mugabe declarou guerra aos brancos. De acordo com Mr Mugabe, o Zimbábue é um país para negros.
Ah, mas os cotistas alcançaram notas maiores que os não-cotistas nas universidades. Provam que são mais inteligentes. Logo... não precisariam de cotas!
Hr. Mayer Amschel Rothschild nasceu em um gueto em Frankfurt. As leis da época discriminavam os judeus, que eram impedidos, por exemplo, de se casar com quem não fosse do gueto. Isso não o impediu de criar uma dinastia de banqueiros e investidores, que se tornaram nobres na Inglaterra e na Áustria. Um relato do século XIX diz que os judeus, perseguidos na Rússia czarista, onde foi escrito Os Protocolos dos Sábios do Sião, mesmo nas casas mais pobres, dedicavam parte do orçamento familiar para comprar livros, enquanto até mesmo os aristocratas russos desdenhavam da instrução.
Pra terminar, Francis Bacon: "A baixeza mais vergonhosa é a adulação".
O Brasil é um atentado à inteligência.
Kyrie Eleison.
2 comentários:
Bom texto. Só uma correção: onde escreveu "excessão" é, verdade, "exceção".
O reparo já foi feito. Obrigado, Renato, por alertar sobre o descuido.
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