Gilles Gomes de Araújo Ferreira

domingo, 23 de julho de 2006

O continente árabe

Minas Gerais, 23 de julho de 2006

Lula dá azar é o título de um artigo que Diogo Mainardi publicou na Revista Veja em setembro de 2004:

Em agosto, Lula (toc-toc-toc) visitou a República Dominicana e o Haiti. Em seguida, os dois países foram devastados pelo furacão Jeanne, que causou centenas de mortes. Em julho, o presidente passou por Santa Cruz de la Sierra, na Bolí¬via. Poucas semanas depois, a região foi assolada por um incêndio florestal de grandes proporções. Ainda em julho, Lula (toc-toc-toc) viajou para Cabo Verde e Guiné-Bissau. Assim que ele foi embora, surgiram os primeiros sinais de uma gigantesca infestação de gafanhotos naquela parte da África. Em maio, o presidente foi à China. Nos dois meses seguintes, tufões castigaram o país, provocando mais de 600 mortes. Tempestades, chamas, mares de sangue e gafanhotos: não pretendo fazer ilações injuriosas, mas tudo lembra os flagelos do Apocalipse.


Já Reinaldo Azevedo chamou o Presidente de "Midas às avessas". Na mitologia grega, tudo o que o rei tocava se transformava em ouro. Na farsa brasileira ocorre exatamente o contrário.

No discurso de posse Sua Excelência colocou a integração da América Latina como prioridade. Desde então, a Argentina e o Uruguai encenam uma guerra fria, a Bolívia deu as costas para a vizinhança - mostrando sabe-se bem o quê - e a Venezuela... enfim!

O petista também estabeleceu como prioridade a aproximação entre a América Latina e os países do continente árabe (sic). Nascia a Cúpula América do Sul-Países Árabes, sediada em Brasília, em maio de 2005. Tradição aplicada, o Presidente da Venezula Sr. Hugo Chávez constrangeu o Presidente do Iraque ao defender a resistência dos partidários de Saddam Hussein. O documento final defendia "o direito dos Estados e povos de resistir à ocupação estrangeira", criticava as "sanções unilaterais impostas à Síria pelos Estados Unidos da América", considerando uma violação aos "princípios do direito internacional", e exigia a destruição do arsenal nuclear do Estado de Israel. A quem interessar, a Cúpula convoca a Argentina e o Reino Unido a "restabelecer as negociações" para encontrar "uma solução justa, pacífica e duradoura para a controvérsia soberania em relação à questão das Malvinas (sic)".

A lenda de Midas se explica. Lula se aproxima do Oriente Médio e ele desmorona.

Tradicionalíssima, a esquerda mundial reduziu o conflito a um joguete de tribunal. Há alguns dias, na Grã-Bretanha, milhares de pessoas foram às ruas exigindo o fim da agressão israelense contra os libaneses. A passeata foi organizada por Mr George Galloway, MP, peça importante do esquema de corrupção do programa "Oil for Food". Os manifestantes carregavam cartazes com críticas ao Presidente dos EUA Mr George W. Bush.

Mr Bush, aliás, é a Geni da humanidade. Numa enqueta da FolhaOnline mais de um terço acredita que só os americanos podem pôr um fim ao conflito. Obviamente, censurando Israel.

Outro chavão é pedir uma força de paz multinacional. Os capacetes azuis das Nações Unidas não deram certo em lugar nenhum. No Haiti, em Ruanda, no Sudão... e mesmo assim as pessoas acreditam na estratégia. Assim como há quem acredite em Luís Inácio. E socialismo. É importante notar, no entanto, que quem sugerir uma medida assim ou age com má-fé ou comprova um absoluto desconhecimento da situação. Desde o final dos anos 70 a ONU mantém soldados na fronteira Israel-Líbano. As resoluções 425 e 426 determinaram que as tropas teriam por objetivo:

- Garantir a retirada das forças israelenses do sul do Líbano.
- Restaurar a paz internacional e a segurança.
- Auxiliar o governo libanês na retomada da autoridade naquela região.

Israel só abandonou a área depois de 20 anos. O sul do Líbano é até hoje parte de um Estado paralelo, comandado pelo Hezbollah. Paz e segurança. Nenhum dos analistas e especialistas em Oriente Médio que pipocaram nos jornalões notou essa incoerência, à excessão do canadense National Post, que na quarta-feira 19 publicou editorial entitulado The UN's failed mission:

At the United Nations and in Europe, there is a clamour for the deployment of a UN peacekeeping force to Southern Lebanon. The hope is that, by physically separating the two warring sides, peacekeepers can make continued war between Hezbollah and Israel impossible.

Peacekeeping is a nice idea in theory, and it has even worked once or twice in various parts of the world. But in the context of southern Lebanon, the concept is not only laughably naive, but dangerous as well.

As informed observers know, there already is a peacekeeping force in the area, and it's been there since 1978. But all the United Nations Interim Force in Lebanon (UNIFIL) has done is preside over the establishment of a de facto Hezbollah terrorist statelet on Israel's northern border. Given the United Nations' historic antipathy toward Israel, there is little reason to suspect that even a larger, better-trained force would rouse itself to offer the Jewish state any better protection.


O National Post é um jornal conservador. Por isso não repercutiu tanto. Se fosse um The Gaurdian ou um The New York Times, seria diferente. Mas não espere muita coisa deles. A UNIFIL consome anualmente US$ 100 milhões. Foi acusada de cumplicidade no seqüestro dos militares israelenses, que desencadeou todo o conflito.

Claro que os intelectuais não ficariam de fora desta nossa inquisição. Elas são sempre necessárias. A última das cabeças privilegiadas é publicar um documento denunciando um plano de "extinção da nação palestina". É assinado por Noam Chomsky - que se descreve um socialista libertário, o que já indica um gosto pela contradição -, Harold Pinter - que queria a libertação de Milosevic -, e José Saramago - um comunista milionário. Alguns trechos são, com o perdão da palavra, hilariantes:

Hoje, a uma atrocidade segue-se outra atrocidade; os mísseis improvisados se cruzam com outros sofisticados. Estes últimos, em geral, encontram seu alvo onde vivem os pobres despossuídos e morando empilhados, esperando o que alguma vez se chamou Justiça.



Além da eterna insinuação de preconceito social, como se os judeus quisesse eliminar todos os pobres, é curiosa a idéia de que os mísseis "sofisticados", ao contrário dos "improvisados", que alcançam cinqüenta quilômetros e afundam navios de guerra, geralmente encontram seu alvo - os pobres. Os improvisados não matam inocentes. A culpa é da tecnologia. Já dizia Pol Pot.

Kyrie Eleison.


P.S.: Raul Cortez morreu há pouco. Gianfranceso Guarnieri também. A manutenção de Gilberto Gil em um eventual segundo mandato petista será o tiro de misericórdia da cultura brasileira.

Nenhum comentário: