Gilles Gomes de Araújo Ferreira

quinta-feira, 15 de março de 2007

Nação Arco-Íris

No ano passado o Ministério Público quis que a TV Globo reescrevesse a novela Sinhá Moça por considerara que ela "atenta contra a dignidade da pessoa humana da comunidade negra e afrodescendente (sic)." De acordo com o promotor que instaurou o inquérito, "tudo indica que a novela é racista", uma vez que mostrava os escravos como passivos à espera de um guerreiro branco que os libertasse. "[na novela] Os senhores de engenho são bonzinhos, possuidores de virtudes e defeitos semelhantes a qualquer um de nós". Omessa!

Àquela época um militante de movimento racial escreveu atacando a idéia de liberdade surgida "quase como uma concessão ou 'dádiva' protagonizada por sinhozinhos e sinhazinhas brancos." Como se os brancos tivessem alma...

É compreensível que partidários da causa se recusem a acreditar, mas foi assim mesmo que aconteceu. Para que houvesse a Abolição foi fundamental a articulação feita através de anos pela Princesa Isabel e o próprio Imperador Pedro II.

Mesmo negros abolicionistas como José do Patrocínio e André Rebouças só conseguiram projeção porque eram apoiados pela Coroa, devendo ser registrada a manifestação deste último que, partindo para o exílio com a Família Imperial, lamentou que com a ascensão dos republicanos, desapareceria para sempre a possibilidade de um de sua raça ser "alguém" no Brasil.

Há um oportuno termo alemão para ser utilizado aqui - zeitgeist, o clima intelectual e cultural de uma época, o pensamento que domina uma ou mais gerações, apesar de diferenças etárias e sócio-econômicas. O zeitgeist atual é o da correção política e do anti-ocidentalismo, o que dá abertura para a avaliação do presente e a revisão do passado sob a ótica maniqueísta dos bons contra os maus. Se o papel dos maus, reza a cartilha, é reservado aos homens brancos e ocidentais, fica o bem destinado a quem se opor a eles.

É inconcebível, pois, que os vilões possam se compadecer ou defender valores como justiça, liberdade ou igualdade. Logo, todo evento histórico que contrarie essa disposição deve ser denunciado e substituído por outro mais “adequado”.

Um outro exemplo, mais recente, também serve de exemplo: o apartheid sul-africano.

Nelson Mandela é hoje um líder de projeção internacional, ícone da liberdade e igualdade, para muitos comparável a Ghandi. Mr Mandela certamente é merecedor de todos estes adjetivos – à exceção da comparação com Ghandi, que era um pulha –, mas não se pode negar que nenhuma das vitórias que ele carrega seriam possíveis se não fosse por Frederk Willem de Klerk, Presidente de Estado da África do Sul entre 1989 e 1994.

Em seu primeiro discurso como líder do Partido Nacional, Mr de Klerk chamou o apartheid de “chaga da civilização”, pedindo uma África do Sul não-racista. Foi ele quem legalizou o partido do Congresso Nacional Africano e concedeu o perdão presidencial a Nelson Mandela, com quem dividiu o Prêmio Nobel da Paz em 1993.

Mr de Klerk pôs fim ao regime de segregação racial sul-africano, e depois das eleições gerais de 1994, tornou-se vice-Presidente de um governo de unidade nacional sob Nelson Mandela, um posto que ele ocupou até 1996, quando foi promulgada uma nova Constituição. Desde então, Mr de Klerk afastou-se da política e hoje está à frente da organização pacifista FW de Klerk Foundation.

Até agora.

Mais de dez anos depois do fim do apartheid, Mr de Klerk alerta, em entrevista ao The Sunday Telegraph que as ações afirmativas – ou discriminação positiva, como se diz naquele país – implementadas pelo governo do atual Presidente Thabo Mbeki, fizeram com que “um significativo número de não-negros, não só afrikaners, mas também de todos os brancos, mestiços, assim como indianos, sintam-se atualmente reduzidos a uma espécie de cidadãos de segunda classe".

“É importante ter em mente que a idéia construída em nossa Constituição é a de que seríamos uma nação não-racial. Isso não pode ser possível se, no entanto, raça for considerado um critério”, diz.

As declarações surgem num momento em que a questão racial na África do Sul volta a ser debatida. De la Rey, de Bok van Blerk, apresentada aos brasileiros pelo Manhattan Connection no último domingo, é o hino de uma geração que, tal como os alemães dos anos 1960 e 1970, não se sente responsável pelos crimes cometidos pelas gerações de seus pais e avós, não sendo desta forma intimidados por assumir seu orgulho racial.

Os sul-africanos reservaram espaço para os negros em quase todas as instituições daquele país, inclusive nas forças policiais. Para Mr de Klerk, esta é a principal razão para os altos níveis de criminalidade registrados hoje. “Nessa campanha de discriminação positiva, baseada na raça, o país perdeu pessoas experientes e competentes” na Polícia, na Justiça e em outros serviços.

Outro ponto bastante controverso da política do Black Economic Empowerment é a expropriação ou a compra compulsória de terras dos brancos para serem entregues aos negros. Uma atitude que lembra o confisco de terras e a expulsão dos fazendeiros brancos do Zimbábue, país que tem na África do Sul um de seus poucos defensores. Os outros são Irã, Cuba, Bolívia e Venezuela.

Nos últimos dez anos quase 850.000 brancos deixaram a África do Sul.

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