Gilles Gomes de Araújo Ferreira

quarta-feira, 29 de novembro de 2006

quarta-feira, 22 de novembro de 2006

The Real Inconvenient Truth

Minas Gerais, 23 de novembro de 2006


Cinco décadas de resistência, e a Rainha Elizabeth II autorizou a iluminação da fachada do Palácio de Buckingham. Atende a uma antiga reinvindicação da indústria do turismo, que reclamava que o Palácio, situado no centro de Londres, ficava às escuras depois que o sol se punha - às quatro da tarde no inverno. De acordo com a imprensa britânica, a Rainha apresentou duas condições: primeiro, queria ter certeza de que as luzes não atrapalhariam o sono da criadagem; segundo, que os engenheiros encarregados do projeto utilizassem fontes de energia ecologicamente corretas. O Palácio de Buckingham ficará iluminado do pôr-do-sol às onze da noite, até o fim do reinado de Sua Majestade.

Tantos cuidados, no entanto, não são suficientes - pelo menos para os ecologistas. O Greenpeace afirmou que a decisão era "decepcionante". A organização alertou para o fato de que "as luzes vão brilhar até o fim do reinado, que poderá ser muito longo". A iluminação, acreditam eles, vai agravar o problema do aquecimento global.

No ano passado não foram poucos os especialistas que apontaram a Gripe do Frango - lembra dela? - como uma epidemia capaz de matar milhões ao redor do mundo em poucos dias. Previsão semelhante já tinha sido feita para outra doença, a Pneumonia Asiática. Em 2001 o antraz protagonizou a histeria epidêmica, e no fim dos anos 1980 a doença da Vaca Louca era um claro sinal do Apocalipse. Durante a Guerra Fria, era consenso que as armas nucleares dos Estados Unidos e da União Soviética destruiriam o mundo em uma hecatombe que duraria segundos.

O número somado das vítimas fatais da Gripe do Frango e da Pneumonia Asiática é inferior ao número de mortos anualmente por gripe "normal". A doença da Vaca Louca matou 170 pessoas em três países, quando o número de bovinos infectados é superior a 180.000. As armas atômicas dos EUA e da URSS não só não destruiram o planeta como foram a principal razão pela qual americanos e soviéticos nunca se enfrentaram diretamente. O mundo não acabou. É interessante, contudo, notar como há sempre uma catástrofe, guerra, epidemia ou calamidade pronta para aniquilar a humanidade.

A grita hoje serve para atentar sobre as conseqüências do aquecimento global. A temperatura da Terra têm aumentado nos últimos 150 anos, graças ao efeito estufa. A utilização de águas subterrâneas para a agricultura, a poluição industrial, os automóveis, o desmatamento e o McDonald's são os responsáveis por verões mais quentes e invernos mais curtos. O capitalismo selvagem está destruindo a Mãe Terra.

No domingo 30 de outubro o Governo britânico divulgou um documento com mais de 700 páginas, escrito pelo ex-vice-presidente do Banco Mundial Sir Nicholas Stern (o documento na íntegra pode ser encontrado no site do Escritório do Tesouro de Sua Majestade). O Relatório Stern prevê um futuro de catástrofes bíblicas - secas, inundações, epidemias - como conseqüência do aquecimento global. E não é só isso: o aquecimento ainda consumirá 20% da economia mundial, provocando uma recessão comparável apenas à Grande Depressão dos anos 1930.

Para a BBC, "uma vez que o estudo é solidamente fundamentado em argumentos científicos, fica difícil discordar". Bill McGuire, do Benfield UCL Hazard Research Centre, foi além, afirmando que Sir Nicholas subestimou os efeitos do aquecimento global. O Greenpeace divulgou nota em que afirma que "o Governo deve agir", além de aplaudir os trabalhistas. Para Simon Retallack, do Institute for Public Policy Research, "aqueles que negam o aquecimento já foram escorraçados da ciência", opinião compartilhada pela Royal Society, para que afirma ainda que os céticos são financiados pelas indústrias do carvão e do petróleo.

Estão todos errados? Certamente.

Inúmeros estudos comprovam que a temperatura média da Terra têm aumentado desde meados do século XIX. Isto é um fato. A ficção fica por conta dos responsáveis por esse fenômeno. O aquecimento está mais relacionado a causas naturais do que a atividades humanas.

A teoria do aquecimento global ganhou a comunidade científica em 1988, quando a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos ouviu um diretor da NASA, James Hansen, declarar que havia uma "relação" entre temperatura e emissão de gases na atmosfera. Antes disso, os eco-cientistas soavam alarmes para um outro problema: o resfriamento global. Por mais de trinta anos a temperatura do planeta diminuiu, e os especialistas não tardaram a apontar os culpados: a gasolina, o aerosol, a chuva ácida e o McDonald's. No final dos anos 1970, quando o aquecimento cessou, os cientistas mudaram o discurso.

A maior parte do aumento de temperatura do século passado ocorreu antes da Segunda Guerra Mundial - antes, também, do grande aumento das emissões atuais de dióxido de carbono. Em verdade, os seres humanos são responsáveis por apenas 3,4% do dióxido de carbono lançado anualmente na atmosfera. Três artigos publicados em maio de 2005 na revista Science atestam que a radiação solar que atinge a superfície da Terra aumentou radicalmente nas últimas duas décadas. Sami Solanki, físico solar, afirma que no último meio-século o sol esteve mais quente do que nos últimos 11.400 anos.

A temperatura do planeta está sempre mudando. Não há estabilidade na natureza. Estes também são fatos. E mais um: a Terra não está ficando quente, está deixando de ser fria. Em 1850 chegou ao fim um período que entrou para a História como Pequena Era Glacial.

Entre os séculos XVI e XIX a temperatura média do planeta Terra caiu drasticamente, ao mesmo tempo em que diminuía a incidência de radiação solar, conforme mostra o gráfico abaixo.

Em 1607 o Rio Tâmisa congelou pela primeira vez - a última foi em 1814 -, e o mesmo aconteceu a outros rios europeus: em 1795 o exército francês marchou sobre os canais holandeses e capturou toda a Marinha Real Holandesa, que ficara presa em Den Helder. Na Islândia, o congelamento dos mares impediu a pesca, e metade da população morreu de fome. O Porto de Nova Iorque congelou em 1780, e as pessoas puderam caminhar de Manhattan a Staten Island.

Antes disso, entretanto, durante a Idade Média, a temperatura do planeta esteve quente o suficiente para permitir que os ingleses plantassem uvas no sul da Grã-Bretanha e que os vikings colonizassem a Groelândia - em inglês, Greenland, ou Terra Verde. Uma esquadra da Marinha Imperial Chinesa circundou o Ártico em 1491 e não encontrou nenhum vestígio de gelo.

A propósito, ninguém fala em aquecimento global sem mencionar o derretimento das calotas polares e o conseqüente aumento no nível dos oceanos. Bastam meia dúzia de chavões e logo chegamos a Tuvalu. Há alguns anos Tuvalu tornou-se o emblema do futuro prometido pelos ambientalistas: o território, que já era pequeno, estava diminuindo graças à subida dos oceanos, e o país "afundaria" até 2100. Desde 2002 os ilhéus contam com um plano de fuga. A Rainha de Tuvalu, Elizabeth II, conseguiu abrigo para os onze mil tuvaluenses depois de debater o tema com a Rainha da Nova Zelândia, Elizabeth II, e com a Grande Chefe de Fiji, Elizabeth II.

O nível dos oceanos aumenta há 18.000 anos, e segundo o Intergovernmental Panel on Climate Changes, órgão ligado à ONU, o derretimento completo da Antártida - onde estão 90% de todo o gelo do mundo - e da Groelândia faria os oceanos subirem pelo menos seis metros. Na Groelândia, bem como na Islândia, a primeira metade do século XX foi mais quente do que a segunda. A maior parte das geleiras islandesas desapareceu na década de 1930, reaparecendo nos anos 1970. Nos últimos 30 anos a Antártida esfriou a uma média de 0,7ºC por década e ganhou massa glacial, em oposição ao que acontecia há 6.000 anos. Os mares antárticos ficam mais tempo congelados hoje do que ficavam há 25 anos.

A temperatura dos oceanos não só não aumentou como, segundo o US National Oceanic and Atmospheric Association, ela diminuiu bruscamente nos últimos dois anos. E em Tuvalu não é registrado nenhum aumento no nível dos oceanos há 48 anos. Pesquisas recentes comprovam que a diminuição do território é conseqüência da erosão resultante da passagem de três ciclones - Gavin, Hina, Keli - que devastaram a região em 1997. Nas Ilhas Maldivas, outro ícone do aquecimento, o mar retrocedeu e os oceanos desceram 30 centímetros nos últimos 30 anos.

Ora, e não são ciclones e furacões mais violentos conseqüência do aquecimento global? Não. A devastação causada pelo furacão Katrina em Nova Orleans, no ano passado, foi motivo de júbilo para ecofascistas de todo o mundo. Era o purgatório de George W. Bush, que sofria os incovenientes de seu próprio desprezo pelas questões ambientais. A mensagem era clara: a natureza estava se vingando. À luz dos fatos, contudo, as coisas ficam diferentes. Não há nenhum estudo que comprove a relação entre aumento de temperatura e intensidade dos fenômenos climáticos. Quando muito, há "sugestões". Na década de 1950 os Estados Unidos foram atingidos por 37 tempestades violentas. Nos anos 1990, apenas 19. Dez furacões de categoria 5 nos anos 1950. Na década de 1990, a metade disso.

Uma palavra - alarmismo. No depoimento de James Hansen à Câmara dos Representates citado anteriormente, o diretor da NASA afirmou que até o final do século XX a temperatura média da Terra aumentaria em 0,3ºC - aumentou em 0,1ºC. Também declarou que os oceanos subiriam muitos metros - na realidade, pouco menos que 30 centímetros. Sir Nicholas Stern, no famigerado relatório, atesta que até 2035 a temperatura da Terra terá aumentado em 2ºC. Alarmante. O que não fica explícito é que não são 2ºC a mais em relação à temperatura atual, mas à que foi precariamente medida em 1750.

Talvez você nunca tenha ouvido falar em Patrick Moore, mas em 1971, junto com outro ambientalistas, ele fundou a primeira grande ONG ecologista: o Greenpeace. Mr Moore abandonou o grupo quinze anos depois, alegando que a entidade estava mais preocupada em combater o capitalismo e a globalização do que em proteger o meio ambiente. "Em meados dos anos 1980 o movimento ambientalista abandonou a lógica e a razão em nome da pieguice e do sensacionalismo".

Para os pacifistas verdes, a divulgação do Relatório Stern é uma excelente oportunidade para "discutir" o crescimento da aviação. Patrick Moore defende a energia nuclear - que não emite dióxido de carbono na atmosfera - e os alimentos geneticamente modificados. Em agosto deste ano ele concedeu uma entrevista à revista Galileu em que afirma que

No momento o Greenpeace tem uma pauta que não ajuda em muita coisa. No campo da mudança climática, eles prevêem um desastre ambiental, em que eu não acredito. É verdade que o clima está aquecendo, e tem estado desde a Pequena Idade do Gelo, há 500 anos. Era mais quente no período medieval, 1.000 anos atrás, do que hoje. Mesmo que sejamos parte da causa do aquecimento, muitos dos impactos serão positivos, especialmente em países mais frios como a Rússia, o Canadá e muitas nações européias. Mas talvez o ponto mais importante seja a necessidade de uma redução de 80% no consumo de combustíveis fósseis para estabilizar os níveis de CO2 na atmosfera. Seria a destruição da civilização como a conhecemos. Assim, é muito menos custoso nos adaptarmos ao aquecimento do que tentar preveni-lo. O Greenpeace não oferece nenhuma solução, só mantém a briga sem nenhum resultado positivo. Concordo que precisamos desenvolver mais energias renováveis, mas eles também são contra represas e uso de árvores como lenha, e 95% de toda a energia renovável disponível no mundo hoje vem dessas fontes, água e madeira.


"O apreço de Patrick Moore pelo Greenpeace é recíproco", explica a revista

"Suas ações são um marketing custeado por empresas que fazem 'lavagem verde'", diz Mariana Paoli, coordenadora da campanha de engenharia genética da ONG, referindo-se a iniciativas que dissimulam danos ambientais. "A Aliança Florestal de Colúmbia Britânica, de que ele faz parte, é patrocinada pela indústria madeireira." Seus argumentos em defesa dos transgênicos também são falhos, afirma. "O problema da desnutrição é a falta de acesso aos alimentos, não a qualidade ou a quantidade do que existe na natureza", diz Paoli.

Em carta enviada ao Estado de S. Paulo e publicada em 18 de novembro, a diretora de comunicação do Greenpeace Brasil, Gladis Éboli, reduz Mr Moore a um "ex-colaborador" que "ao sair da organização, passou a prestar consultoria paga a empresas que fornecem produtos/serviços para a indústria nuclear". A carta diz ainda que "o Greenpeace, ao contrário de Moore, não aceita doações de empresas, governos e partidos políticos".

A tática que o Greenpeace emprega na reação a Patrick Moore tem um pomposo nome latino - argumentum ad hominen - e é comum a muitos dos ecofundamentalistas: ao invés de contestar os argumentos desenrolados pelos céticos, ataca-se os autores desses argumentos - todos, como declara a Royal Society, financiados pela indústria do petróleo e do carvão. É forçoso observar, no entanto, que ainda que se orgulhe de ser independente de "empresas, governos e partidos políticos", o Greenpeace não se acanha por empunhar como verdade absoluta um documento produzido por um Governo, nem por aplaudir o Partido Trabalhista.

A postura do governo Blair, aliás, é encantadoramente elucidativa. Ilustra com primazia a percepção de que é outro verde, que não o das matas, que instiga muitos amantes da natureza. Para o líder do Labour Party, a inércia frente o aquecimento global terá um resultado "literalmente desastroso". Pouco depois, ele declarou a intenção de criar "impostos verdes". Anthony Blair também quer leis que obriguem empresas a ter uma postura ecologicamente correta.

E ele não está só: avança no Congresso Nacional, com apoio declarado do Governo Federal, proposta que cria o Imposto de Renda Ecológico. De acordo com a iniciativa, o cidadão-contribuinte poderá destinar parte de seu imposto de renda para projetos de conservação ambiental. Tanto este governo quanto o passado rejeitaram uma correção na tabela do imposto de renda alegando que não havia os fundos necessários. Um indecoroso abracadabra, e para ONGs carentes de fiscalização a burocracia encontra fundos: os nossos. Tom Delay, diretor executivo da Carbon Trust, vê no Relatório Stern "uma oportunidade muito grande de negócio". Em tempo, a Carbon Trust é uma empresa do Governo britânico. Sem fins lucrativos.

Sir Nicholas também tem um plano messiânico capaz de nos salvar da destruição. Ele não se contenta em apontar o rei nu, mas também oferece-lhe vestes. É um prodígio! O Emplastro Nicholas Stern envolve uma solução altamente burocratizada e centralizada, a um custo que o próprio considera insignificante - 1% do PIB mundial até 2050, ou 450 bilhões de dólares anuais. O que era ofensivo ficou chocante quando o plano foi desmentido pelas Nações Unidas, que estima os custos do combate ao aquecimento global em 5% do PIB mundial - 2,25 trilhões de dólares. E o que já era chocante ficou escandalizador depois da observação feita pelo Visconde Monckton of Brenchley, para quem é no mínimo irresponsável investir tanto para resolver um problema sobre o qual pesam consideráveis dúvidas, quando uma fração desse montante - 75 bilhões de dólares - é suficiente para garantir saneamento básico, saúde e educação a todos os 6,5 bilhões de habitantes da Terra.

Falando nisso, alguém lembra do Protocolo de Kyoto? Este era também um tratado internacional, que exigia a redução dos gases que promovem o efeito estufa. George W. Bush tornou-se a besta fera dos ambientalistas ao rejeitar as medidas, argumentando que elas prejudicavam interesses econômicos americanos. Milhares de árvores vieram abaixo para que a imprensa brasileira, à direita e à esquerda, vendesse a idéia de que o Brasil estava fazendo um bom negócio. A idéia é simples: os países signatários têm de reduzir as emissões de carbono aos índices de 1990, ficando os países em desenvolvimento dispensados dessa meta. Eles podem, no entanto, “vender” suas emissões de carbono a países ricos.

Terminou na semana passada em Nairobi a 12ª Conferência do Clima da ONU. Ganhamos um prêmio, o "Fóssil", concedido ao país que mais criou obstáculos às negociações sobre mudança climática. Somos um dos líderes do movimento que tenta impedir que os países em desenvolvimento também tenham de reduzir suas emissões de carbono. A proposta partiu da própria ONU, que argumentou que esses países estão entre os maiores poluidores do mundo. A partir de 2009 a China tomará dos Estados Unidos o primeiro lugar no ranking dos maiores poluidores. Na última década a Índia aumentou em 50% sua emissão de carbono na atmosfera.

O Brasil ocupa a 5ª posição no ranking, e o desmatamento responde por 75% das nossas emissões de carbono. Na Conferência, o Brasil se opôs à adoção de metas de redução de deflorestamento, considerando a proposta uma "intervenção externa" no modelo de desenvolvimento nacional.

O país também é destaque quando o tema em discussão é o gás metano. Ele é, depois do dióxido de carbono, o maior contribuinte para o incremento do efeito estufa. Responsável por 1/10 de todo o metano emitido no mundo, 29% deles produzido de maneira pouco elegante pelas milhões de vaquinhas que pastam alegres por nossos campos verdejantes. Não há, todavia, motivo para pânico. Organizações internacionais apresentaram ao Governo brasileiro a solução: mudança na dieta dos bovinos, de modo a melhorar a digestão - tudo por algumas centenas de milhões de dólares. E há também soluções nacionais, como a do professor da USP Paulo Machado, para quem o Brasil pode ficar muito bem, obrigado, com apenas 10% do rebanho atual.

O aquecimento global é um tigre de papel. Papel-moeda. Quando ouvir falar em ecologia, vá logo sacando a carteira. Mas não arruíne suas finanças. Um climatologista russo, Khabibullo Abdusamatov, baseado em previsões sobre a radiação solar, acredita que um resfriamento do planeta terá início em 2012, chegando ao fim no início do século XXII. Como não são poucas as vezes na História em que a minoria esteve certa, não é loucura conferir-lhe algum crédito. E quando isso acontecer, vamos precisar do seu dinheiro para combater uma outra ameaça que há de pairar sobre nossas cabeças.

Eu aposto que serão os marcianos.


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Link para a seqüência.

sábado, 18 de novembro de 2006

Obituário: Senador Ramez Tebet

Faleceu há pouco em, Campo Grande, o Senador da República pelo Estado do Mato Grosso do Sul Ramez Tebet. Nascido em Três Lagoas em 1936, era advogado formado pela Universidade de Direito do Rio de Janeiro. Sua carreira política começou em 1975, quando tornou-se prefeito de sua cidade natal. Quando terminou o mandato, assumiu a Secretaria de Justiça do Mato Grosso do Sul. Um ano depois foi eleito Deputado Estadual Constituinte e relator da primeira Constituição do Estado. Foi Governador, Superintendente da SUDECO (Superintendência do Desenvolvimento da Região Centro-Oeste) e Ministro da Integração Nacional no governo de Fernando Henrique Cardoso. Tebet foi eleito Senador em 2001, ocupando a Presidência do Senado Federal.

Ramez Tebet morreu em casa, aos 70 anos. Deixa esposa e quatro filhos.

quarta-feira, 15 de novembro de 2006

Memória para meus filhos

A Princesa Imperial Dona Isabel Christina Leopoldina Augusta Michaela Gabriela Raphaela Gonzaga de Orleans e Bragança escreve sobre a quartelada de 15 de novembro de 1889.
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Opinião de Papai e nossas: "Se soubesse exatamente como as coisas se achavam, teria ficado em Petrópolis, de onde depois ter-me-ia internado mais e mais, se fôsse necessário".

Papai diz, provavelmente, para não aumentar a culpa, que o Ouro Prêto não o chamou ao Rio, mas que pensou, com sua presença, tudo serenar, e portanto não duvidou em descer para o foco, onde estaria mais perto dos acontecimentos e mais depressa, poderia providenciar.

Diz Papai também que foi êle quem se lembrou do Silveira Martins para suceder ao Ouro Prêto. Em todos os casos como é que o Ouro Prêto não o dissuadiu disso?

Além de que é contrário ao seu costume deixar seguir o parecer do Presidente do Conselho que se demite; por coisas que ouvi, creio que foi o Ouro Prêto quem indicou o Silveira Martins, assim como foi êle quem chamou Papai de Petrópolis.

Ambas as idéias foram desacertadas!

Com outras medidas se teria evitado o mal? Não sei. Gaston também foi de opinião de conservarmo-nos em Petrópolis, mas não teve meio de comunicar-se com Papai, e quanto a mim, que sempre vejo tudo pelo melhor, estava longe de pensar que sucederia o que sucedeu, e portanto atuou muito no meu espírito a idéia de não fazermos um papel que mais tarde tornasse menos fácil a nossa posição, podendo-se-nos acusar de pusilanimidade.

Como o Ministério, e especialmente os Ministros da Guerra, da Marinha e da Justiça e o Presidente do Conselho por êstes não sabiam nada? Imprudência! e mais imprudência! descuido ou o quê? Uma vez que a fôrça armada tôda estava do lado dos insurgentes, todos nós, nem ninguém poderia fazer senão o que fizemos.

Quando os primeiros dias de angústia são passados, e meu espírito e coração acabrunhados pela dor podem exprimir-se a não ser por lágrimas, deixai-me, filhinhos, que lhes conte como se deu a maior infelicidade de nossa vida! Eram 10 horas da manhã do dia 15 de novembro de 1889, quando a casa chegaram o Visconde da Penha e o Barão de Ivinheima declarando-nos que, diziam, parte do exército insurgido, e na Lapa achar-se um batalhão ao qual se tinham reunido os estudantes da Escola Militar, armados. Pouco depois, chegaram o Tosta, Mariquinha e Eugeninha, pouco depois o White. Foram então chegando, sucessivamente, o Ismael Galvão, Miguel Lisboa, Pandiá Calógeras e senhora, Lassance, Major Duarte, Barão do Catete, Carlos de Araújo, Drs. Rebouças e Araújo Góis.

As notícias que chegavam eram tais que a nós pareciam exageradas. O Miguel Lisboa ofereceu-se então para ir ao próprio Campo da Aclamação saber do que havia. Daí voltou dizendo que o Ministério estava sitiado no Quartel e o Ladário dado como morto.

Ligamos os telefones com os Arsenais de Marinha e Guerra que responderam nada saber.

Não quis sair logo do Paço Isabel temi que talvez não sendo as coisas como se diziam, não viessem mais tarde acusar-me de mêdo, do que aliás, nunca dei provas.

Pouco depois vieram notícias de que tudo estava apaziguado, nada mais haver a recear, mas todo exército coligado ter impôsto e alcançado a retirada do Ministério. Gaston exclamou: a Monarquia está acabada no Brasil. Ainda iludida, eu julguei que tal exclamação era pessimismo. Também nos informaram que o Deodoro tinha a seu lado o Bocayuva e o Benjamin Constant e que declarara um Govêrno Provisório. O Rebouças chegou a casa e veio também da parte do Taunay com o plano de que Papai se conservasse em Petrópolis, e aí estabelecesse o Govêrno internando-se se fôsse necessário.

Nesse ínterim ninguém sabia como comunicar com Papai, temendo-se uma traição do telégrafo central no Campo, provavelmente em mãos dos republicanos; com efeito, pouco depois o Capanema declarava que entregara o telégrafo a êstes. Os meninos, fizemo-los partir, antes do recado do Capanema, para bordo do "Riachuelo", enquanto esperavam a saída da barca das quatro para Petrópolis. Era o meio de informar Papai do que havia e também pôr os meninos fora do barulho. A meio-dia e tanto recebemos telegrama do Mota Maia dizendo que Papai partira de Petrópolis e que vinha pelo caminho de ferro do Norte. Resolvemo-nos a ir ter com êle em São Francisco Xavier, tomando uma lancha que nos arranjou o Barão do Catete. Partimos com os Tostas. De Botafogo nos dirigimos ao Caju, quando, em caminho, Gaston avistou em frente a Misericórdia os carros de Papai. Dirigimo-nos ao Cais Pharoux e aí soubemos que, com efeito, êle já se achava no Paço da Cidade.

Desembarcamos e com êle e Mamãe aí ficamos.

Apareceu nesse dia alguma guarda, e um piquete que ainda veio pôr-se às ordens de Papai.

Papai mandou pelo Miranda Reis chamar o Ouro Prêto que declarou de maneira alguma poder continuar com o Ministério dando ainda, como razão, alguma deslealdade da parte de colegas.

Por volta de 6 horas, chegaram Amandinha e o Dória, Pedro Augusto, a Baronesa de Suruí e outras pessoas.

O Miranda Reis, Olegário, Silva Costa e Penha tinham passado todo o dia acompanhando o Imperador. Estiveram também o Conde e a Condessa de Carapebus, Condessa de Baependi, D. Maria Cândida, Pandiá e senhora, Mariquinha e Eugeninha, e talvez outras pessoas de que não me lembro.

A noite compareceram o Taunay, Tomás Coelho, Soares Brandão e os Conselheiros de Estado, a exceção de Sinimbu, Nunes Gonçalves e do Correia, Bom Conselho e Olegário, que retiraram-se antes da sessão.

Soube-se que o Ouro Prêto havia indicado a Papai o Silveira Martins para compor o Ministério. Mas êste ainda devia chegar do Rio Grande, e demais era inimigo figadal do Deodoro. Reunidos os Conselheiros de Estado, deram como opinião a nomeação urgente para Presidente do Conselho de alguém que estivesse imediatamente a mão, e não fôr inimigo do Deodoro e com êle pudesse se entender.

Papai manda chamar o Saraiva que, tendo já vindo, se achava novamente em Santa Teresa. O Paranaguá para lá parte imediatamente e, não achando condução, sobe a pé. Chega o Saraiva, aceita, e segundo o alvitre do Andrade Figueira, manda um emissário (Trompowski, genro do Andrade Figueira) entender-se com o Deodoro para ver se o traz a bom caminho. Leva uma carta cujos têrmos do conteúdo ignoro. Às 2 horas da manhã, Trompowski volta declarando que não havia meio de nada arranjar e que o Deodoro declarou-lhe considerar-se irrevogâvelmente Presidente da República. Chocou-me o modo de camaradaria que êle conta ter usado com os tais...

No dia 16 de manhã ainda entravam e saíam pessoas do Palácio, mas os guardas aumentam e não havia mais meio que se reunissem grupos a roda do Paço. Constantemente ouviam-se correrias de cavalaria em tôrno para espalhar a gente. Pelas 10 horas, já ninguém podia penetrar, nem mesmo senhoras. Vimos, por vêzes, ainda que pouco chegassemos as janelas, alguns conhecidos que de longe, nos cumprimentavam. Que horrível dia! Meu Deus! Vários alvitres foram levantados. Ninguém sossegava.

Às 2 horas finalmente chegou a tal Comissão do Governo Provisório, que anunciavam desde a véspera, com uma mensagem a Papai, exigindo sua retirada para fora do país. Compunha-se do Major Solon e outros oficiais subalternos.

Por sua atitude respeitosa pareciam ir cumprir uma mensagem ordinária. O Major Sólon mostrava-se tão perturbado que ao entregar o papel a Papai deu-lhe o tratamento de Vossa Excelência, Vossa Alteza e finalmente Vossa Majestade. Entregando-o a Papai, o Major Sólon disse: "Venho da parte do Govêrno Provisório entregar mui respeitosamente a Vossa Majestade esta mensagem".

- "Não tem Vossa Majestade uma resposta a dar ?" disse êle.
- Por ora não, respondeu Papai.
- Então posso retirar-me? disse Sólon.
- Sim, respondeu Papai.

Só as pessoas que se achavam no Paço, Papai declarou que se retirava, e que se não fôsse pelo país, para êle, pessoalmente, era uma despachação. Papai sempre calmo e digno.

Dizer o que, se passava em nossos corações, não é possível!

A idéia de deixar os amigos, o país, tanta coisa que amo, e que me lembra mil felicidades de que gozei, fêz-me romper em soluços! Nem por um momento desejei uma menor felicidade para minha pátria, mas o golpe foi duro!

A noite fomos descansar, algumas pessoas tiveram licença de sair para os arranjos necessários.

O Lassance tinha que vir falar com Gaston, e depois de uma hora da noite bateu a porta. Pensando que só era êle e não imaginando dever partir tão cedo, nem esperando por mais essa picardia, deitei-me de novo quando Gaston voltou a dizer-me de levantar-me que o Mallet e o Simeão estavam aí pedindo da parte do Govêrno Provisório que Papai partisse antes do dia, o povo parecendo querer fazer alguma manifestação, e os rapazes das Escolas já com metralhadoras para atirarem sôbre quem quisesse resistir. Acordei então Papai e Mamãe e, com êles, Pedro Augusto, Josefina, o Aljezur, Tamandaré, Mota Maia, embarcamo-nos, dizendo-se que íamos para o "Alagoas". Despediram-se de nós no Cais Pharoux, Miranda Reis, Penha, Marianinha, Pandiá e Senhora.

Papai quis saber do motivo que fazia precipitar sua partida declarando que só consentia nisso para evitar conflito inútil. Ao embarcarmos, disse eu ao Mallet que se êles tivessem qualquer lealdade não deixariam de declarar isto; o mesmo já Papai dissera antes e tornou a repeti-lo e chegando já ao cais depois de algumas palavras trocadas, disse: - Os senhores são uns doidos!

Foi a única frase um pouco dura, mas bem merecida, que Papai lhes disse.

Ao pôr o pé no vapor, foi que soubemos que em vez do "Alagoas" levavam-nos para o "Parnaíba". Em tudo notamos receio e atrapalhação.

Os meninos que, na véspera, mandáramos chamar de Petrópolis, chegaram, graças a Deus, com o Doutor, Mr. Stoltz, o Rebouças e o Welsensheim (Ministro Austríaco). Com os outros diplomatas que estavam no Rio, foram de uma grande má fé; no sábado já os tinham impedido de vir-nos ver no Paço da Cidade, e no domingo, depois de os fazerem subir para o salão do Arsenal com promessa de irem a bordo despedir-se de nós, na hora de embarcarem Mariquinha e Amandinha, lhes foi declarado que não podiam mais ir porque não teriam condução para a volta. Entretanto, o "Parnaíba" tinha levado ordem de voltar da Ilha Grande! Vieram a bordo do "Parnaíba" Maria Eufrásia e Sebastião Laje. Domitília que também veio, só nos pôde ver de longe.

O "Alagoas", onde embarcou a comitiva que se achava fora em arranjos meus e dêles, partiu a 1 hora e meia. Estiveram a bordo do "Alagoas" algumas pessoas que procuraram ver-nos. Carapebus (que entrara as escondidas com a Condessa, do Paço no dia 16, assim saíram encarregados por nós de velar pelos meninos, caso fôsse necessário), Marinha, Yeats, Lopo Diniz e filho, Mamoré e Beaurepaire Rohan.

Quanto ao "Parnaíba", depois de muitos recados desencontrados, saiu conosco barra fora as 10 e meia e dirigiu-se a Ilha Grande, onde então passaríamos para o "Alagoas". As 8 horas da noite, com efeito, apesar da escuridão que era muita, e do mar agitado, passaram-nos para bordo do "Alagoas", onde encontramos a nossa comitiva bem sobressaltada com a difícil trasladação a tais horas de um navio para outro; e na verdade perigo havia sobretudo para Papai e Mamãe, e para as crianças. A meia-noite partiu da Ilha Grande o "Alagoas", com direção a Europa, passando defronte do Rio de Janeiro no dia 18 às 6 e meia da manhã.

Nesse dia, o "Riachuelo" veio ter conosco e até agora nos segue, obrigando-nos, muitas vêzes, a parar ou retardar nossa marcha, e fazendo um papel ridículo e tolo: guardar quem êles devem bem saber nada podem empreender agora, pois o resultado seria conflitos e sangue.

O "Riachuelo" acha vir guardando-nos, entretanto posta-se do lado do mar, deixando-nos assim livres de dirigirmo-nos para qualquer província sem que éle nos possa impedir, pois a sua marcha é só de pouco mais de metade da nossa, acrescentando-se ainda que nem se saberia haver sós, pois levam todo o tempo a pedir-nos rumo!

(Tudo isto foi escrito antes do "Riachuelo" largar-nos a 22 de novembro de 1889 e copiado muito mais tarde em Cannes, assim como o que segue escrito em diferentes datas anotadas. Acho mais, no borrão a lápis, uma nota, que, por ser difícil intercalar no que precede, copio-a agora aqui mesmo:

- Papai incomunicável, assim como o ministério sitiado, mandei pedir ao Dantas que me dissesse o que pensava. Veio logo ter comigo, e sem encarregá-lo de missão alguma política, pois nada devia fazer a êsse respeito, pedi-lhe que visse o que dever-se-ia empreender e nesse intuito saiu de minha casa. Quando penso agora que êle me disse:

"Vossa Alteza não receie nada, peço que tenha tôda confiança em mim, eu não quero república, eu não admito república!").

De bordo do Riachuelo tinha vindo para bordo do Alagoas (já aí se achava quando embarcamos) o Tenente Amorim Rangel; êste tendo adoecido veio substitui-lo o Tenente Magalhães Castro. Ambos a bordo e vão conosco até Lisboa.

No dia 30 de madrugada chegamos a São Vicente do Cabo Verde e no dia 1 partimos com a nossa bandeira arvorada.

Saúdes boas até o dia 1. Mamãe nesse dia sentiu-se resfriada e no dia 2 ficou no quarto. No dia 2 ao jantar, bebemos a saúde de Papai, êle respondeu as nossas saúdes brindando: À prosperidade do Brasil!

Todos cordialmente tomaram parte no nosso regozijo, e o comandante e gente de bordo mostravam-se especialmente dispostos a nos testemunhar sua simpatia por todos os modos possíveis, o Tenente Magalhães Castro, de farda, conservou-se todo o dia, e veio nos saudar pelo aniversário. Todos os da comitiva escreveram pensamentos, que, assinados, viemos entregar a Papai. Foi grande minha comoção quando, de manhã, vim abraçar Papai. Já no dia meu coração sobressaltava-se ao ver içar, ao sair de São Vicente, a nossa bandeira, ainda não hasteada neste vapor desde a partida. Não pude deixar de bater palmas e tive um momento de grande júbilo. Parecia-me a esperança! Lembrei-me de tantos momentos de verdadeira felicidade!

Desde êste dia Pedro Augusto voltou ao seu estado natural; já a bordo do Parnaíba mostrava-se receoso de tudo e de todos os que não eram da comitiva, vendo ciladas, assassinatos e veneno por tôda a parte. Tivemos sérios receios pelo seu juízo, sobretudo a bordo do "Alagoas".



4 de dezembro de 1889.

Avistamos ontem Tenerife, primeiro o pico sôbre as nuvens e a parte baixa da ilha por baixo delas, depois a ilha de mais perto, mas já o pico nas nuvens. Mar inteiramente calmo, quando na véspera não pudera levantar-me.



5 de dezembro de 1889.

Para maior clareza e evitar dúvidas futuras, direi que, do Rio, no Parnaíba, como pessoas que acompanhavam a Família Imperial, vieram Josefina, Aljezur, Mota Maia, Manuel Mota Maia e o Rebouças que aí chegara, vindo de Petrópolis, juntamente com os meninos, e mais as duas criadas de Mamãe e os dois criados dos meninos.

O Amarante, a senhora e o pequeno Manuel vieram despedir-se de nós na Ilha Grande, tendo ido no Alagoas e voltando no Parnaíba. Mr. Stoll do Parnaíba saira ainda no Rio para despedir-se dos seus e buscar suas coisas e só pode ir ter conosco na Ilha Grande, no Alagoas, assim como os Tostas (Eugeninha tinha saído com êles para se arranjar) que tinham ido a minha casa e a dêles na noite de 16 para 17 para arranjos meus e dêles e despedidas, os Dórias que também tinham ido a arranjar e despedidas pela mesma ocasião e minha criada que tinha seguido os Tostas por causa de minhas malas.



Cannes, 30 de maio de 1890.

MINHAS CONVERSAS A BORDO DO "PARNAÍBA"

Com um oficialzinho da fazenda, ainda parados no pôrto:

- Vossa Alteza compreende que esta transformação era necessária.
- Pensava que se daria, mas por outro modo: a nação iria elegendo cada vez maior número de deputados republicanos, e êstes, tendo a maioria, nos retiraríamos.
- Assim nunca podia ser feita, porque o poder é o poder.
- Quanto a ser a expressão da vontade da nação, não. Estou convencida de que se cada um votasse livremente, a maioria por meu Pai seria incontestável. Agora tudo foi feito pelo exército, armada, por conseguinte pela fôrça. Pode-se mesmo dizer tudo foi feito por alguns oficiais.
- Mas ver-se-á isto por meio da constituinte proximamente.
- Não disse o senhor que o poder é o poder?!

O rapazinho, aliás, falava respeitosamente e parecia bem intencionado e comovido da nossa dor.



Com o comandante do "Parnaíba", Palmeira:

- Falava-se das questões militares. Veio a falar-se de suas diferentes fases do momento em que se quis obrigar o exército a ir pegar os pretos fugidos em São Paulo. Disse em resumo isto: o exército deve obedecer, mas também quem manda deve igualmente lembrar-se que manda a pessoas a quem deve certas considerações.



Falando-se dos acontecimentos que deram lugar a crise, e das acusações que se nos faziam de intervenção, dissemos que nunca nos metíamos nos negócios (o Estado, e que até ignorávamos completamente que tivessem embarcado ou devessem embarcar corpos do exército.

Escrevo tudo isto, porque é raro relatar-se exatamente o que se ouve.

Soube em viagem que, no dia 10, embarcara um batalhão; no dia seguinte a noite do baile da Ilha Fiscal, o que dera ocasião a que se dissesse que, enquanto uns se divertiam, gemiam as famílias dos soldados. Soube que muitas poucas pessoas do exército e da armada foram convidadas para o baile. Que o C. de Oliv. mostrara-se áspero em certas ordens como Ministro da Guerra. Que o Chefe de Polícia Basson, em conferência de ministros que precedeu ao baile dissera que os militares preparavam uma grande reunião para essa noite. Na conferência seguinte os colegas, perguntando o que havia, o C. de Oliv. respondeu não ter havido nada de importância. Na noite de 14, às 9 horas, foram (creio que o Basson mesmo) avisar o Ouro Prêto de que o regimento tal se rebelara. O Ouro Prêto começou por não dar grande importância a tal informação, tanto que só a 1 hora da noite, depois de outras informações, é que fôra para a Secretaria de Justiça.

A senhora do Rio Apa, no dia 14, a noite, fôra a casa de Amandinha.

O Dória voltara de Petrópolis muito endefluxado e se achava em cima.

Amandinha recebeu a senhora em baixo. Esta lhe disse que as coisas não pareciam boas, que o marido devia vir também a casa dela.

Chegado êste, só falou com Amandinha com meias palavras e foram-se.

Mais tarde o Dória exprobrando o Rio Apa de não tê-lo avisado, êste respondeu que pensava que, como ministro, deveria estar ao fato de tudo. Êste, no dia 15, a sua brigada tendo bandeado, parecera ir colocar-se ao lado dos ministros, foi demitido pelos revoltosos e, logo depois, fêz a ordem do dia em que declara o dia 15 de novembro o mais glorioso! Expliquem tudo isto!


RESUMO

Grande incúria, muita falta de cuidado, sobretudo por parte dos ministros da Guerra e Justiça, personificados no C. de Oliv.; corda esticada demais pelo C. de Oliv. e Ouro Prêto; Exército ou antes oficiais muito minados pelas idéias republicanas e sabendo proceder com muita discrição; tolice do Deodoro que, estou convencida, foi mais longe do que queria; esperteza do Bocayuva e Benjamin Constant que souberam aproveitar a ocasião; verdadeiro ratoeiro para o ministro e para nós, e finalmente fôrça maior que decidiu tudo.



Princeza Isabel

sexta-feira, 10 de novembro de 2006

Réquiem

Os vitorianos guardavam luto por pelo menos quatro anos. Não pretendia chegar a tanto, mas queria um tempo para o Réquiem dos valores que prezo. Daí lembrei-me que quinze de novembro está logo ali, e esse sim era motivo para guardar luto pelo resto do ano.

Posts novos só na próxima semana. A seção de links foi organizada, com destaque para Peter Hitchens, o maior responsável pela minha conversão à direita.

quinta-feira, 2 de novembro de 2006

Aniversário da Rainha Sofía de Espanha

Sofia Margarita Victoria Frederika Scheleswing-Holstein Sondeburg Glucksburg (Σοφία Μαργαρίτα Βικτωρία Φρειδερίκη) é a filha mais velha do Rei Paulo I e da Rainha Frederika, partiu para o exílio quando tropas alemãs invadiram a Grécia, durante a Segunda Guerra Mundial, em 1941. Morou na Cidade do Cabo, em Alexandria, Creta, Londres e Cairo, de onde seu pai enviava mensagens ao povo grego.

Em 1946, a Família Real retornou a Atenas e Sofia, então com oito anos, começou a estudar em escola pública. Com onze, foi para a Alemanha estudar em um internato.

Quando tinha quinze anos conheceu Don Juan Carlos de Borbón, filho mais velho de Don Juan, Conde de Barcelona e de jure Rei de Espanha. Não foi um encontro propriamente romântico. A judoca não gostou quando "Juanito" disse que não havia porquê uma dama praticar o judô. Ela o derrubou.

Foi no casamento do Duque de Kent que Juan Carlos demonstrou interesse na princesa pela primeira vez. Aparentemente pela força do protocolo, Juan Carlos foi escolhido para acompanhá-la durante sua estada em Londres. Depois soube-se que a coincidência fora organizada pela Rainha Frederika e pela Rainha Vitória Eugênia. Um tímido Juan Carlos, para pedi-la em casamento, jogou uma caixinha com um anel no ar e atentou "Sofía". Depois foi tratar com o pai dela. Anos depois, em uma entrevista, ela lembraria do momento: "Eu ainda estou esperando o pedido. Ele me deu um anel e foi só".

O primeiro obstáculo foi o da linguagem. Ele era fluente em francês, espanhol, italiano e português. Ela falava alemão, grego e inglês. O problema foi resolvido quando ela aprendeu o espanhol e ele o inglês, idioma com o qual se falam até hoje.

O segundo obstáculo foi o Generalíssimo. Francisco Franco, em uma ocasião anterior, disse que "de maneira alguma" o futuro Rei de Espanha casar-se-ia com uma princesa grega. Talvez por isso Franco só tenha tomado conhecimento do noivado junto com o resto do mundo, em 13 de setembro de 1961, quando foi anunciado em Lausanne, Suíça. Sofía, no entanto, soube conquistar o ditador. Logo após o primeiro contato, Franco considerou-a "inteligente, agradável e muito culta". Carmen Polo, a esposa do Generalíssimo, contou a uma amiga que a princesa "roubou o coração de Paco".

O terceiro obstáculo era o religioso. Era consenso que a Rainha de Espanha deveria ser católica. Entretanto, como o casamento seria celebrado em Atenas, o Rei Paulo I fez questão de uma cerimônia ortodoxa. Em 14 de maio de 1962 contraíram matrimônio em uma cerimônia dupla - uma católica e uma ortodoxa. Doña Sofía converteu-se ao catolicismo logo depois. Um ano e sete meses depois deu à luz a primeira filha, a Infanta Elena. Depois vieram Doña Cristina e Don Felipe, o Príncipe de Astúrias.

Em 22 de julho de 1969 foram declarados Príncipes de Espanha, e em 22 de novembro de 1975, logo após a morte de Francisco Franco, são proclamados Reis em uma austera cerimônia. Sempre considerou, como confessou a Pilar Urbano, que seu papel é secundário, apenas de apoio ao Rei.

Considerada exemplo de Rainha por especialistas em todo o mundo, herdou da mãe um caráter independente, a disciplina e um estrito auto-controle. Só perdeu o controle de suas emoções no funeral do Conde de Barcelona, em 1993, e na missa em homenagem aos mortos do atentado de 11 de Março em Madrid.

Devotada aos filhos, admirada pela elegância e sensibilidade. Célebre defensora dos animais, detesta as touradas, das quais o Rei é fã. Hoje completa 68 anos, vítima de uma virose que a impediu de acompanhar o marido em viagem ao Uruguai.

Muchísimas felicidades, y que cumpla muchos más, Majestad.