Suponhamos, caríssimos, que Mlle. de Sudéry estivesse certa ao escrever que "perdoa-se tudo aos amantes... e aos loucos". Não me restaria, neste caso, outra alternativa que não confiar em seu amor - ou em minha loucura.
Apresso-me em corrigir uma indesculpável incúria. Apresento-lhes Fürst
Otto Eduard Leopold von Bismarck, Duque de Lauenburg , conservador, monarquista e aristocrático. Comandou a Reunificação da Alemanha, destacando-se em uma época em que grandes estadistas - Mr William Gladstone, Mr Ulysses Grant, Mr Benjamin Disraeli, Mr Abraham Lincoln, Sir John Macdonald, D. Pedro II, Hr. Klemens von Metternich, e a Rainha Victoria - eram regra em todos os cantos do mundo.
Dotado de invejável capacidade política e militar - ambientes não tão distintos -, derrubou a hegemonia militar da França de Napoleão III e venceu o exército do poderoso Império Austro-Húngaro. O Marechal de Ferro, como ficou conhecido, previu a Primeira Guerra Mundial, que esta Guerra teria início com um acontecimento tolo nos Bálcas, e que a Alemanha sairia derrotada. Acertou em todas.
Sua observação mais famosa, no entanto, é aquela que diz que "quanto menos as pessoas souberem como se fazem as salsichas e as leis, melhor dormirão à noite". Ainda que fosse um excepcional diplomata, não enxergava muita eficiência nas letras. "Os grandes problemas não se resolvem com discursos, mas a ferro e sangue". Não há como não pensar em Bismarck depois de saber que o Presidente planeja convocar uma Assembléia Constituinte.
A Constituição Federal promulgada em 1988 é a sétima da História e a sexta da República. Foi batizada pelo então constituinte Sr. Ulysses Guimarães como Constituição Cidadã. Seria mais apropriado chamá-la Constituição Demagógica. Mal-acostumados com a democracia, os deputados quiseram elaborar uma Carta sob a luz do consenso. Acabaram por aprovar um documento contraditório. Defende o direito à propriedade e a reforma agrária. Estabelece que todos são iguais perante a lei para logo depois garantir foro priviliegiado às autoridades públicas.
Em condições normais eu seria a primeira pessoa a pedir uma nova Constituição, mais enxuta, mais simples, mais realista. É preciso, no entanto, estar atento a alguns pontos antes de aplaudir um punhado de juristas que se dispôs - ou foi disposto - a se pronunciar sobre o assunto.
Primeiro, é um projeto que tem apoio tanto do Partido dos Trabalhadores quanto do Sr. Luiz Inácio. Eis razão suficiente para colocar qualquer pessoa sensata na oposição.
Segundo, a reunião de Sua Excelência com alguns "juristas" - termo que envolve desde pessoas como o saudoso Dr. Miguel Reale até esquerdo-populistas como Fábio Konder Comparato - também deve ser avaliada. O Presidente não lê. Nem livros, nem jornais, nem mesmo documentos oficiais. É cabível questionar seu conhecimento jurídico. Desde o começo do mandato pôde contar com a consultoria do Ministro da Justiça e criminalista de plantão Sr. Márcio Thomaz Bastos, que não estava presente. Quem assessorou o Sr. Luiz Inácio foi o Ministro de Relações Institucionais Sr. Tarso Genro. Aquele que considera o princípio do direito adquirido um anacronismo.
Terceiro, ao contrário do que foi noticiado, não houve participação da Ordem dos Advogados do Brasil no encontro, mas de um grupo de conselheiros dissidente. Algo como uma OAB-B. O Presidente Nacional da entidade Sr. Roberto Busato é anti-Lula até a medula. Talvez por isso não tenha sido informado sobre o encontro.
Quarto e último, esta Constituição foi escrita com o apoio do PT. O então presidente do partido, o líder sindicalista Lula, teve quatro projetos aprovados enquanto membro da Assembléia Constituinte. Os jornalistas políticos da época comprovam que o nobre deputado detestava a função legislativa. Queria ser Presidente da República. O quanto antes.
A confusão do
Politburo não pode ser a única condenada pela ressurreição de Antônio Conselheiro. A responsabilidade repousa principalmente numa tradição, característica de países politicamente autoritários, de querer mudar a realidade por meio de decretos. Desde a República, imposta em nome dos ideais positivistas, sucessivos governos têm colocado a legislação como maestra das mudanças que a ocasião pedia.
O atual ordenamento constitucional não foge à regra. Coloca o Estado como responsável pela felicidade de todos os cidadãos. Talvez distribuindo Prozac gratuitamente. Diz ainda que a sociedade deve ser justa e solidária, como se o fato de não ter sido até então se deveu à ausência de lei específica. A ordem é simples: que ninguém faça nada que não esteja expressamente determinado. Ora, em 1988 quiseram regular até mesmo quantas colheres de açúcar poderíamos colocar em uma xícara de café!
O problema do Brasil não é constitucional. É institucional. E voltemos a Hr. Bismarck para terminar: "mesmo que tenha leis ruins, pode-se governar com bons servidores públicos. Mas com maus servidores públicos, nem mesmo as melhores leis podem ajudar".