Gilles Gomes de Araújo Ferreira

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Smith e a falência da democracia


Chegam da África do Sul as notícias do falecimento de Ian Douglas Smith, ex-Primeiro-Ministro da ex-Rodésia. Em 1965 o filho de imigrantes escoceses tornou-se o primeiro colono branco a se rebelar contra a Coroa britânica desde a Revolução Americana. Opondo-se à política adotada pelo Império Britânico de só conceder independência depois que o poder nas colônias africanas fosse entregue à maioria negra, a Declaração Unilateral de Independência (UDI) fez com que a minoria branca, cristã e civilizada não ficasse refém da maioria negra, tribal. Tal posição teve conseqüência óbvia: Mr Smith tornou-se um homem odiado e vilipendiado em todo o mundo.

No ano seguinte, as Nações Unidas impuseram sanções econômicas contra a Rodésia, e não havia país no mundo, nem mesmo a África do Sul do apartheid, que não denunciasse aquele país.

Ao contrário do que acontecia ao sul da fronteira, Ian Smith não era, ao contrário do que juram seus detratores, racista ou supremacista branco. Sua recusa em aceitar o poder da maioria negra estava baseada na percepção, politicamente incorreta mas acertada, de que os baixos índices educacionais e de desenvolvimento cultural dos nativos não permitia o sucesso de uma democracia. Não havia segregação e os negros tinham reservadas 16 das 66 cadeiras do Parlamento.

Para o queniano Mukui Waruiru, fundador do African Conservative Forum, Mr Smith foi o primeiro revolucionário liberal clássico de toda a África. "Há muito os liberais clássicos dizem que não se pode construir uma sociedade livre sem um sistema político que proteja os direitos de propriedade. O filósofo inglês setecentista John Locke, prescreveu que os pré-requisitos de uma sociedade livre são a proteção da vida, da liberdade e da propriedade. (...) Se mantivermos esse entendimento de liberalismo, Ian Douglas Smith, ex-Primeiro Ministro da Rodésia, pode ser considerado o primeiro revolucionário liberal clássico".

Apesar da condenação de todo o mundo, e sofrendo pesadas sanções econômicas, em meados dos anos 1970, a Rodésia tinha, proporcionalmente, a maior classe média negra de toda a África. Ao final da década o poder foi entregue à maioria negra, liderada pelo militante marxista Robert Mugabe. E começou o declínio da ex-Rodésia, agora Zimbábue. Uma das economias mais fortes do continente tornou-se uma das mais frágeis, com desemprego de 80% e inflação anual de 15.000%.

A Rodésia da democracia limitada tinha tribunais independentes e um sistema político multipartidário. O líder da oposição era negro, e era livre a manifestação de pensamento. No Zimbabwe da democracia pura, a tirania legitimada por eleições fraudadas, confisco de terras, intimidação de opositores. Antes, o melhor sistema educacional da África. Agora, mais de um quarto dos professores já deixaram o país. Com Smith, uma renda per capita igual à da Malásia. Com Mugabe, uma renda per capita pior que o Haiti.

A situação do Zimbabwe é ilustrativa. A democracia não funciona pra todos, e a bem da verdade, talvez não funcione pra ningém. Gana, o primeiro país africano a se tornar independente, foi também o primeiro país africano a sofrer sob a ditadura de um partido único. A regra nas democracias ocidentais, "one member, one vote". A regra nas democracias africanas, "one member, one vote, one time". Quem quer que chegue ao poder, acabará por estabelecer uma ditadura legitimada por urnas. Houve mesmo decretos parlamentares extinguindo a oposição.

Quando Smith resisitiu à entrega do poder à maioria negra, os belgas já haviam fugido do Congo, e as fronteiras da Rodésia estavam entregues a Idi Amin Dada, Mobutu Sese Seko, Hastings Banda e Kenneth Kaunda. A pergunta que ele fazia é por que na Rodésia seria diferente. Não foi. Nem na Rodésia, nem no Iraque, ou no Irã, ou na África do Sul, ou na Venezuela.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007