Comprei há dias em Estrasburgo um pequeno ensaio de Tzvetan Todorov intitulado La littérature en péril (Paris, Flammarion, 2007), que acabou de sair e cuja leitura recomendo a quantos se interessam pelas questões do ensino da literatura, muito em especial no secundário.
Todorov, que colaborou desde 1966 com Roland Barthes e Gérard Genette, afigura-se hoje, e pelo menos neste seu texto, muito mitigadamente ligado ao estruturalismo, embora não o renegue.
Em La littérature en péril ele parte do princípio de que o que interessa para a generalidade dos leitores é fundamentalmente a compreensão do sentido das obras literárias, sendo para essa compreensão que devem ser proporcionadas as abordagens adequadas na escola. Isto porque cada obra tem um sentido portador de modalidades insubstituíveis de compreensão do mundo e de nós mesmos, ao veicular experiências singulares e criar personagens na diversidade do vivido que tornam possível um enquadramento e um conhecimento mais profundos da realidade humana nas suas múltiplas dimensões. Ora, como ele diz, os grandes autores ensinam-nos pelo menos tanto sobre a condição humana como os maiores sociólogos, psicólogos e filósofos.
A proliferação de análises radicadas nos mais diversos pressupostos teóricos acarreta uma grande distorção quanto a esse objectivo. Os programas escolares exigem aos alunos, não propriamente o conhecimento das obras, mas antes o das teorias, métodos, classificações e instrumentos analíticos, de tal modo que eles têm de aprender a captar, não o sentido de determinada obra ou a vibração existencial que ela provoca ao desvendar-se na leitura, mas uma determinada grelha de análise dela, e esta imposição contribui em grande medida para gerar um desinteresse generalizado e crescente em relação à literatura.
Todorov faz um lúcido bosquejo da evolução da estética a partir do século XVII, percorre várias construções teóricas (desconstrucionismo, estruturalismo "clássico", pós-estruturalismo, etc.) que negam ser a literatura um discurso sobre o mundo, ou que afastam a hipótese de verdade dos textos, ou que rejeitam a possibilidade de verificação dela, e, embora protestando não denegrir disciplinas como a semiótica, a pragmática, a retórica e a poética, interroga-se sobre se "é preciso fazer delas a principal matéria estudada na escola", uma vez que "todos esses objectos de conhecimento são construções abstractas, forjadas pela análise literária para abordar as obras; nenhum respeita àquilo de que falam as obras propriamente ditas, o seu sentido, o mundo que elas evocam". E por isso "a análise das obras na escola não deveria mais ter por finalidade ilustrar os conceitos que acaba de introduzir este ou aquele linguista, este ou aquele teórico da literatura, mas fazer-nos aceder a todos ao sentido delas, que nos conduz a um conhecimento do humano que a todos importa".
Sendo assim, Todorov propõe que o ensino volte a recentrar-se nos textos, uma vez que os instrumentos teóricos não passam de meios de acesso, que até podem ser úteis, mas cujo estudo "nunca se deve substituir ao do sentido, que é a sua finalidade".
Não basta, escreve ainda, a estrita abordagem interna de um texto, porque as obras existem sempre num contexto e em diálogo com ele. "Em regra, o leitor não profissional (...) lê essas obras, não para dominar melhor um método de leitura, nem para dele extrair informações sobre as sociedades em que elas foram criadas, mas para nelas encontrar um sentido que lhe permita compreender melhor o homem e o mundo, para nelas descobrir uma beleza que enriqueça a sua existência; fazendo-o, compreende-se melhor a si mesmo. O conhecimento da literatura não é um fim em si, mas uma das estradas reais que conduzem à realização de cada um." Ora o ensino volta as costas a este caminho... "Porquê estudar a literatura se ela não passa da ilustração dos meios necessários para a sua análise?" E ainda: "O ensino secundário, que não se dirige aos especialistas da literatura, mas a todos, não pode ter o mesmo objecto [do ensino superior]: é a literatura propriamente dita que é destinada a todos, não os estudos literários." Por fim, a grande questão: "E ter como professores Shakespeare e Sófocles, Dostoievski e Proust, não é beneficiar de um ensino excepcional?"
Percorre-se este conjunto de tópicos e também não se pode deixar de perguntar: em que país bem nosso conhecido é que estas ideias são tão necessárias como o pão para a boca?
Todorov, que colaborou desde 1966 com Roland Barthes e Gérard Genette, afigura-se hoje, e pelo menos neste seu texto, muito mitigadamente ligado ao estruturalismo, embora não o renegue.
Em La littérature en péril ele parte do princípio de que o que interessa para a generalidade dos leitores é fundamentalmente a compreensão do sentido das obras literárias, sendo para essa compreensão que devem ser proporcionadas as abordagens adequadas na escola. Isto porque cada obra tem um sentido portador de modalidades insubstituíveis de compreensão do mundo e de nós mesmos, ao veicular experiências singulares e criar personagens na diversidade do vivido que tornam possível um enquadramento e um conhecimento mais profundos da realidade humana nas suas múltiplas dimensões. Ora, como ele diz, os grandes autores ensinam-nos pelo menos tanto sobre a condição humana como os maiores sociólogos, psicólogos e filósofos.
A proliferação de análises radicadas nos mais diversos pressupostos teóricos acarreta uma grande distorção quanto a esse objectivo. Os programas escolares exigem aos alunos, não propriamente o conhecimento das obras, mas antes o das teorias, métodos, classificações e instrumentos analíticos, de tal modo que eles têm de aprender a captar, não o sentido de determinada obra ou a vibração existencial que ela provoca ao desvendar-se na leitura, mas uma determinada grelha de análise dela, e esta imposição contribui em grande medida para gerar um desinteresse generalizado e crescente em relação à literatura.
Todorov faz um lúcido bosquejo da evolução da estética a partir do século XVII, percorre várias construções teóricas (desconstrucionismo, estruturalismo "clássico", pós-estruturalismo, etc.) que negam ser a literatura um discurso sobre o mundo, ou que afastam a hipótese de verdade dos textos, ou que rejeitam a possibilidade de verificação dela, e, embora protestando não denegrir disciplinas como a semiótica, a pragmática, a retórica e a poética, interroga-se sobre se "é preciso fazer delas a principal matéria estudada na escola", uma vez que "todos esses objectos de conhecimento são construções abstractas, forjadas pela análise literária para abordar as obras; nenhum respeita àquilo de que falam as obras propriamente ditas, o seu sentido, o mundo que elas evocam". E por isso "a análise das obras na escola não deveria mais ter por finalidade ilustrar os conceitos que acaba de introduzir este ou aquele linguista, este ou aquele teórico da literatura, mas fazer-nos aceder a todos ao sentido delas, que nos conduz a um conhecimento do humano que a todos importa".
Sendo assim, Todorov propõe que o ensino volte a recentrar-se nos textos, uma vez que os instrumentos teóricos não passam de meios de acesso, que até podem ser úteis, mas cujo estudo "nunca se deve substituir ao do sentido, que é a sua finalidade".
Não basta, escreve ainda, a estrita abordagem interna de um texto, porque as obras existem sempre num contexto e em diálogo com ele. "Em regra, o leitor não profissional (...) lê essas obras, não para dominar melhor um método de leitura, nem para dele extrair informações sobre as sociedades em que elas foram criadas, mas para nelas encontrar um sentido que lhe permita compreender melhor o homem e o mundo, para nelas descobrir uma beleza que enriqueça a sua existência; fazendo-o, compreende-se melhor a si mesmo. O conhecimento da literatura não é um fim em si, mas uma das estradas reais que conduzem à realização de cada um." Ora o ensino volta as costas a este caminho... "Porquê estudar a literatura se ela não passa da ilustração dos meios necessários para a sua análise?" E ainda: "O ensino secundário, que não se dirige aos especialistas da literatura, mas a todos, não pode ter o mesmo objecto [do ensino superior]: é a literatura propriamente dita que é destinada a todos, não os estudos literários." Por fim, a grande questão: "E ter como professores Shakespeare e Sófocles, Dostoievski e Proust, não é beneficiar de um ensino excepcional?"
Percorre-se este conjunto de tópicos e também não se pode deixar de perguntar: em que país bem nosso conhecido é que estas ideias são tão necessárias como o pão para a boca?